Há sangue novo no circo contemporâneo português

O festival Vaudeville Rendez-Vous começou esta quarta-feira e prolonga-se até sábado, em Braga, Guimarães e Famalicão. Quinta-feira, os alunos do Instituto Nacional de Artes do Circo têm lugar privilegiado no cartaz de circo contemporâneo.

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Sofia Encarnação pratica roda alemã há três meses no Instituto Nacional de Artes do Circo Paulo Pimenta/Público
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Há cerca de dois meses que um armazém na zona industrial de Vila Nova de Famalicão esconde circo dentro. É lá que os alunos do Instituto Nacional de Artes do Circo (INAC) criaram, com o director artístico Hugo Oliveira, o espectáculo Demudar, uma das duas estreias absolutas da 4.ª edição do festival de circo contemporâneo Vaudeville Rendez-Vous, que se realiza entre 26 e 29 de Julho, entre esta cidade, Braga e Guimarães.

A luz do final do dia enche um armazém despido de cenário, onde a forma humana se funde nos instrumentos circenses. Lá, os artistas ensaiam um para cada lado. Uma aluna escala o mastro chinês, sem rede ou cordas, sem medo do chão. Outra faz da roda alemã uma moeda gigante que rodopia numa mesa, instantes antes de cair. Um outro mantém as claves de malabares suspensas no ar.

Demudar, a criação que apresentam esta quarta-feira no Rossio da Sé, em Braga, é a linha que os cose entre si. O espectáculo, que envolve manobras com recurso a instrumentos – lira, monociclo, rola-bola, corda bamba, roda cyr, roda alemã, mastro chinês, entre outros –, incita à reflexão sobre o quotidiano, a cidadania e a singularidade do artista, ao mesmo tempo que se propõe criar roturas com os códigos clássicos do circo.

Elvis Mendes, malabarista, diz que esta criação está intrinsecamente ligada à personalidade de cada um: “Cada solo que este espectáculo tem foi criado a partir do que o artista oferece e não do que o encenador quer. Vem do nosso quotidiano, da maneira como nós somos.”

Elvis é um dos alunos que finalizou o primeiro ano do curso do INAC. Pertence à primeira senda de estudantes a fazê-lo, na única escola dedicada às artes do circo na região Norte. Demudar é o culminar do primeiro ano de vida do instituto, e um dos sinais de que o circo não está esquecido em terras lusas.

Circo está a crescer

Sofia Encarnação chegou ao circo acidentalmente. Gostava de desporto, quis “puxar pelo físico” e, sem querer, apaixonou-se e deixou-se ficar. Quem olha para Sofia, a rodopiar na roda alemã, não diria que a domina só há três meses. Mas é verdade. Completou a sua formação no Chapitô, em Lisboa, mas foi no INAC que se aventurou naquele instrumento, no qual se está a especializar. 

Sofia foi para o curso porque sentia que não estava preparada para ir para o estrangeiro, para o ensino superior. E o INAC apareceu na altura ideal: “É a primeira [escola] preparatória cá em Portugal. Prepara as pessoas que querem ir lá para fora, para seguirem o ensino superior ou entrarem numa companhia.” E é isso que a artista planeia fazer, assim que acabar os dois anos de formação no instituto. Mas não desiste da ideia de voltar a casa: “O circo em Portugal está a crescer e estamos a começar a ter oportunidades cá. Neste momento, ainda tenho de ir para fora, mas, se calhar, daqui a três anos volto e, quem sabe, abro a minha companhia. Quero voltar, para mostrar que não é preciso sairmos do nosso país para haver circo.”

Elvis já trabalhava no circo, mas ainda não se tinha aventurado no mundo académico da área. Escolheu o INAC porque gostava da “linha contemporânea” e da “maneira de trabalhar o circo” proposta pelo curso.

Bruno Machado, um dos directores artísticos do instituto, explica que linha é esta: “Nós focamo-nos na busca de uma linguagem de circo autoral. Queremos que o aluno desenvolva o seu próprio lado artístico e se encontre dentro da escola.”

O ano de estreia acabou bem, e já há planos para o próximo: o circo vai mudar de casa. A partir de Setembro, as aulas deixam de ser dadas no Acro Club da Maia e mudam-se para dois pavilhões no Lago Discount, em Famalicão, na mesma zona onde ensaiam agora.

Bruno Martins, director artístico do festival, não tem dúvidas de que esta co-produção, do curso e do Vaudeville Rendez-Vous, tem os olhos postos no futuro: “É fundamental que o festival tenha uma ligação próxima àquilo que será a próxima geração de artistas ligados ao circo.” Até porque se há algo que o diferencia é o facto de não “pretende ser um festival de mostra”, mas “uma plataforma de criação para os artistas”, explica Martins.

Este modelo agrada a Elvis: “É muito bom não só mostrar o que desenvolvemos durante o ano mas também o que se passa fora do palco. Há produtores que vão lá estar para nos ver.” Ainda “é raro” que os teatros de produção regular abram espaço para o circo contemporâneo nas suas agendas, explica Bruno Martins. E isto gera um círculo vicioso: “Por um lado, ainda não existe criação nacional que justifique uma programação regular de circo contemporâneo. Por outro, se não houver um estímulo dos teatros, se não incentivarem a criação, ela não vai existir por si só.”

Cidades sensíveis ao circo

O Vaudeville Rendez-Vous vai ocupar Guimarães, Braga e Famalicão, municípios que co-financiam o projecto e que, segundo o director artístico do evento, “têm tido um olhar bastante sensível ao circo contemporâneo”. São 21 actuações de 10 espectáculos programados, que juntam mais de 70 artistas.

Para além do Demudar, que também pode ser visto esta sexta-feira, em Guimarães (Largo da Oliveira, às 22h00), o festival tem outra estreia absoluta: Sentido. O espectáculo resulta de uma co-produção de artistas portugueses com uma associação cultural italiana, Sarabanda, sob a direcção de Boris Vecchio, e leva a palco três personagens, que se encontram e confrontam à procura de equilíbrio, de sentido. A criação vai ser apresentada também esta sexta-feira em Guimarães (Largo Condessa do Juncal, às 22h00), e no sábado em Braga (Largo do Paço, às 19h00).

O programa prevê ainda seis estreias nacionais e actividades paralelas, como debates, oficinas de acrobacia aérea, malabarismo e equilíbrio, e um showcase, que dá a oportunidade aos artistas de apresentarem o seu trabalho a programadores internacionais. A organização estima que o festival de entrada livre “atraia” mais de 13 mil pessoas.

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