Da natureza da doença terminal

Todos nós, desde que nascemos, estamos sob as influências da morte – e é isso, exactamente isso que nos leva a querer viver

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Davide Ragusa/Barn Images

Foi diagnosticado com uma doença terminal? E quê, acaso não é a vida, em qualquer circunstância uma grande doença terminal? Todos nós, desde que nascemos, estamos sob as influências da morte – e é isso, exactamente isso que nos leva a querer viver. Pois bem, no momento em que são nos são pronunciados aquelas palavras, o quão longa será a nossa vida, o quão rápido e breve será, nesse momento o nosso cérebro faz uma recapitulação de todo o tempo que perdemos na vida, que a sociedade em si não passa de um sistema, de um mero conjunto de números, e que nós não somos nada mais que uma estatística. O que fazer a partir daí? É simples, dizer «eu quero mais, quero mais».

Depois do choque inicial que abala a consciência de todos, que leva a querer que a vida não é um mero nada, um momento que se afunda no tempo e no espaço, uma ninharia, algo que já chegou e logo pariu, é como que levássemos a «chapada que abala a consciência», mas há uma coisa a nosso favor: o tempo. O tempo que temos é tudo aquilo que decidimos fazer com ele. No momento em que temos tempo, podemos entregar-nos aos prazeres da vida, mesmo estando diagnosticado com uma doença terminal. E nesse momento de pânico, e ao mesmo tempo de satisfação (pois sabemos sempre que mais vale terminar tudo aquilo porque o tempo já usou de nós para muitas artimanhas), dizemos: «as pessoas como eu, não vivem para se enquadrar na sociedade. As pessoas como eu vivem frenética e desmesuradamente, como se a vida fosse uma droga, como se tudo fosse para sempre um prazer, um prazer eterno e resoluto, onde há bebida, fumo, irritação dos nervos, café, música, estimulação, etc.» - É essa fome de viver, essa compulsão por querer ser fora do comum, de sair do meio do que é burocrático e pragmático, que nos leva aos extremos de prazer – e que a sociedade, no fundo, é só como um sistema de legos, em que cada um é uma peça, mas nem todas as peças se encaixam…

A pessoa que é diagnosticada uma doença terminal continua os seus raciocínios com: «os alienados como eu, apesar de serem intelectuais, e apesar de conseguirem saber mais do que a vida, são os maiores hedonistas que já conheço. Pois onde há intelecto, há hedonismo excessivo. É uma compensação para o tempo perdido na nossa cabeça – se há que se analisar a vida, ao menos que seja para depois tirar proveito do prazer sensorial.»

Pois bem, e a que conclusão eu chego? Nomeadamente que todos esses hedonistas, todos esses que decidem usufruir de um prazer excessivo, e que foram-lhes diagnosticados com uma doença terminal, são na realidade suicidas, suicidas que apenas não sabem o que fazer com o tempo que têm, que mais vale deixar o tempo «parar» e continuar com o prazer, vivendo de forma excessiva – tudo para se libertar da prisão do pensamento. Pensar é uma doença – lembrai-vos disso.

Não achais estranho que a escola viva para criar seres adultos que não sabem viver? Estes estão perdidos na vida, ou presos em empregos que nem gostam, ou vivem sem qualquer expectativa do futuro, ou vivem planeando demasiado o futuro, mas como disse Oscar Wilde: «estamos todos na sarjeta, mas alguns encontram-se a contemplar as estrelas». A escola e a sociedade acabam por criar ineptos, ineptos que não sabem viver, que só mais tarde é que descobrem a verdadeira essência da vida, nem que seja quando lhes é diagnosticado o pior. A sociedade dita muitos dos comportamentos comuns, o que é socialmente aceite, e qual a vida ideal para as pessoas – mas tudo isso é corrompido pela doença terminal. O seguinte poema, que é um poema com os ideais socialistas, escrito por Dostoiévski na obra «Os demónios», diz então o seguinte:

E livrar da sociedade

A igreja, a família e o casamento

Pechas de um mundo bolorento.

O que quero dizer com isto tudo? Que no momento em que é diagnosticado uma doença terminal a alguém, essa pessoa passa a agir com estes ideais anticristãs, pois a pessoa passa a perceber que sempre foi um número, uma estatística, um mero padrão, um ponto numa recta de um gráfico – e fica de tal como anti esses valores que descobre que os perderam a vida toda, porque esses valores são uma ilusão – só servem somente para criar ordem na sociedade, que são uma limitação. A pessoa com doença terminal gritará: «Então, que importa os valores com que até agora vivi? Que se passa na cabeça das pessoas? Gostais de estar presos? Gostais das sombras e das ilusões? Eu sou o moderno Prometeu – o Deus que rouba a chama dos deuses para entregar à humanidade e como castigo divino uma águia comer-lhe-á o fígado para sempre! Compreendem? Compreendem? É isso que eu sou – eu sou um mensageiro, uma águia dos céus que atingiu a plenitude de ver pela primeira vez o que realmente se passa na sociedade… e que tudo é uma ilusão; que interessa o meu casamento? A minha família? A minha igreja? Se nenhum deles leva à verdadeira vida!»

Por fim, no final do consumo excessivo da vida, no momento em que a vida é engolida, pois somos todos escravos dos nossos dentes, a pessoa renuncia à vida hedonista e vai à igreja, e reza a Deus, e pede perdão. É a crença na vida pós-morte que nos leva a querer experimentar o sopro da vida outra vez. E agora digais-me: não é a vida é uma grande doença? Não estamos nós todos a morrer lentamente à medida que vivemos? Sim, estamos. Mas que importa a morte, que não é nada, mesmo nada, quando se tem a vida, quando se pode viver, quando se sabe viver para sempre, e que a vida é como uma droga… Sim, uma droga, ou um vírus, pois corrompe-nos, corrompe a nossa própria moralidade para que vivamos «frenética e desmesuradamente, pois a vida é para ser vivida com todas as forças e extremos que existem!

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