Uma pequena jóia crioula

O novo disco de Carmen Souza e Theo Pascal é uma pequena jóia de alegria e criatividade.

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Carmen Souza: a crioulidade de uma voz sensual e iluminada

Pouco mais de um ano após terem sido dados a ouvir, no CCB, alguns dos seus temas em estreia nacional, eis que chega às lojas o mais recente disco da bem-sucedida dupla Carmen Souza e Theo Pascal, Creology. Nascida em Lisboa, em Maio de 1981, numa família cabo-verdiana, Carmen transporta na sua voz, sensual e iluminada, as marcas dos sons e modulações que a influenciaram, do gospel (na infância) a Ella Fitzgerald, Nina Simone ou Billie Holiday, sendo a esta última que mais se aparenta o vibrato da sua voz.

O frutuoso trabalho conjunto com o contrabaixista português Theo Pascal, que ela conheceu aos 17 anos, cimentou-se num caminho muito próprio, onde as raízes cabo-verdianas e crioulas em geral (com o que isso transporta da herança das colonizações, da escravatura, mas também das sequentes mestiçagens raciais e culturais) se misturam ao jazz e aos ritmos caribenhos e latino-americanos.

O novo disco é o melhor exemplo disso. Depois das experiências de Ess ê nha Cabo Verde (2005), Verdade (2008), Protegid (2010), Kachupada (2012) ou Epistola (2015), é em Creology (2017) que mais se condensam os ecos de todas essas latitudes (África, Europa, América) e ritmos (funaná, batuco, marrabenta, reggae, rumba, semba, samba, son, jazz). Na sua quase totalidade, dez temas em doze, o disco é preenchido com temas da dupla Carmen & Theo (letras dela, músicas dele), da dolente e sincopada Ligria, a abrir, até ao fecho com os batuques de Creology, sobre os quais se espraia a admirável voz de Carmen Souza, num elogio à crioulidade cabo-verdiana. Já as versões, duas, têm resultados díspares.

Upa neguinho, de Edu Lobo, não descola o suficiente do original, ficando-se por uma africanização superficial do tema. Já o regresso a Horace Silver (1928-2014), pianista e compositor americano de origem cabo-verdiana, nome maior do jazz, é, mais uma vez, excelente. Revisitando o mesmo disco, o clássico The Cape Verdean Blues (de 1965), e depois de uma versão cantada (e de que maneira!) do tema-título, em Epistola, surge agora Pretty eyes, que também ganhou letra original de Carmen Souza, bilingue (em crioulo de Cabo Verde e em inglês), num delicioso exercício vocal e rítmico.

Creology é, assim, mais uma aposta ganha de uma dupla que, sendo portuguesa de nascimento, é já internacional de percurso e coração, tantos os palcos por onde andou. Resta dizer que, no disco, com Carmen e Theo, estão o percussionista moçambicano Elias Manolios e o jovem baterista (também internacionalizado) Zoe Pascal, filho de Theo. Quem não perdeu um disco da dupla, não perca este. Mas quem começar por aqui começa muito bem. Entre tantas lusofonias e afins, Creology é uma pequena jóia de alegria e criatividade.

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