Ir para férias com um ponto de interrogação
A política vai a banhos com muitos assuntos por resolver. E voltarão com as autárquicas na cabeça. O intervalo pode ser perigoso. Alguém ouviu os alertas do Presidente?
O Parlamento está a fechar portas, os líderes partidários estão prontos a ir de férias. Não será muito tempo, porque há eleições autárquicas à porta. Mas quando voltarem é nisso que vão estar a pensar. E é pensando nas autárquicas que farão os discursos de rentrée.
É sempre assim e, normalmente, não há mal nisso. O problema é que desta vez ficou muita coisa por resolver. E com as eleições locais marcadas para tão tarde (1 de Outubro), estamos perante um intervalo longo. E perigoso, não?
Veja-se Pedrógão Grande (com tantas perguntas por responder ainda). Veja-se Tancos (e a confusão que vai pelas Forças Armadas). Veja-se o Orçamento, que também foi a banhos, atrasado também pela remodelação. A isto juntem os avisos de greve e as greves marcadas. É caso para dizer: ainda bem que António Costa já foi de férias. O Agosto vai ser um inferno para resolver.
O país político também vai para férias com dois comunicados que não nos dão tranquilidade. Com Marcelo no topo da mesa, reuniram-se os dois órgãos de aconselhamento do Presidente. Se acreditarmos nos comunicados, ou há um tabu ou um preocupante vazio: o Conselho Superior de Defesa Nacional falou da NATO, das missões portuguesas no estrangeiro, até da transferência da base do Montijo. Sobre Tancos, só se imaginarmos a base no último parágrafo: "No final, o Conselho teve ainda oportunidade de analisar recentes dados da situação política atinentes às Forças Armadas." Ainda bem que teve. E o Conselho de Estado, adivinha o que discutiu? Um voto de "profundo pesar" pelas vítimas do incêndio e a situação económica e financeira do país. A sério, é isto que diz.
Não fosse conhecermos bem o Presidente e acharíamos que tanto silêncio seria sinal de preocupação. Mas, conhecendo nós bem Marcelo, também temos que reler os dois sinais que ele nos deixou ao longo desta semana. Primeiro, no México, sobre a estabilidade: "Não há razões políticas, por fortes que sejam, que justifiquem a criação de instabilidade num processo tão sensível como é o financeiro, o bancário e o do crescimento. E, portanto, não haverá. Quando eu digo não haverá, não haverá." O segundo foi já no regresso, num inusitado comunicado elogiando a primeira maioria absoluta (ao caso, a de Cavaco): "No quadro do nosso sistema eleitoral, tratou-se — e trata-se — de um feito notável, que atesta a confiança dos portugueses e o seu apoio a uma determinada solução político-governativa."
Lendo e ouvindo tudo isto, conhecendo Marcelo como conhecemos, ficamos na dúvida: o que é que Marcelo sabe que nós não sabemos? Podemos mesmo ir de férias descansados?