Histórias do Tour: Um bigode português em Paris

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Tiago Machado DR

Rui desafiou Tiago. A pinta que teria ver um característico bigode português a comandar o pelotão até Paris. “O Tiago já, por várias vezes, publicou fotos de bigode, no Instagram, no Twitter. Sempre que ele cortava a barba e deixava o bigode, dizia-lhe que devia correr assim para representar o espírito português”, contou Rui Quinta ao PÚBLICO. A ideia reforçou-se nos últimos 23 dias. Desde a primeira etapa em linha, Tiago Machado ocupou dezenas de horas de emissão. Dia após dia, quilómetro atrás de quilómetro (tantos que nem o próprio sabe dizer quantos), o português da Katusha Alpecin lá estava, na frente do pelotão, a caçar fugas. Desde a África do Sul, onde está a comentar a Volta a França para o canal SuperSport, o autor do blog Carro Vassoura voltou a insistir.

Perante o repto do velho amigo, "Tiaguinho" hesitou. Nesta equação, havia um terceiro elemento decisivo. “Antigamente, ele argumentava que a mãe não deixava. Desta vez, disse que a mulher não autorizava. Depois eu vi uma fotografia [do português na frente do pelotão], lembrei-me de pôr o bigode. Mostrei-lhe a montagem, sugeri que, se tivesse 5000 gostos, ele corria o Tour de bigode. Ele aceitou de imediato, lançámos o desafio no Facebook e, curiosamente, foi a esposa que acabou por promover muito a iniciativa”, explicou Rui Quinta.

Cláudia abriu uma excepção, porque o momento assim o exigia. “De facto, não gosto de ver o Tiago de bigode, porque lhe esconde a beleza [ri-se]. No entanto, desde há muito tempo, assumimos o bigode como um símbolo característico do Tiago, como aconteceu, por exemplo, nas camisolas ‘Keep calm and love Tiago Machado [têm um bigode vermelho estampado]. O Tiago é o único português que está no Tour e, por isso, carrega o peso da nação em cada pedalada. Por esse motivo, apoiei desde logo a iniciativa do Carro Vassoura,  por ser uma forma de ele sentir o apoio da família, amigos e fãs, e ao mesmo tempo de vermos o povo português caracterizado no maior pelotão mundial”, explicou a mulher de Tiago Machado ao PÚBLICO.

E o que começou como uma brincadeira de amigos converteu-se num fenómeno mundial, graças à ajuda da Katusha Alpecin, uma das primeiras a pedir o apoio dos seus fãs para atingir os tais 5000 gostos. “Não contava com a partilha da equipa assim como da minha esposa! Foram as partilhas mais surpreendentes”, assumiu o ciclista de 31 anos, que nunca pensou que a meta por si imposta iria ser alcançada tão rapidamente. Mas foi. E, hoje, quando entrar nos Campos Elísios, para cumprir os últimos quilómetros da 104.ª Volta a França, o português ostentará, orgulhoso, um robusto bigode, que ficará como símbolo do seu melhor desempenho no Tour.

Uma iniciativa assim só seria possível com "Tiaguinho". Desde que saiu do pelotão nacional (2010), já um veterano aos seus 24 anos, o famalicense nunca mudou. Enquanto outros se deslumbrariam por correr ao lado de Lance Armstrong e companhia, na então imponente RadioShack, o camisola da juventude da Volta a Portugal (2008 e 2009) manteve-se fiel a si próprio. O mesmo coração na boca, a mesma honestidade desarmante, que foge ao politicamente correto e ao convencional. Menos impulsivo desde que casou e foi pai, Machado conservou a capacidade de arrancar gargalhadas a jornalistas e adeptos, quer pessoalmente quer nas suas redes sociais. Homem de valores, o corredor da Katusha Alpecin encarou as agruras da profissão sem nunca desistir.

Depois de um início auspicioso, com pódios na Volta ao Algarve, no Critério Internacional e no Circuito de Sarthe, onde conquistou a sua primeira vitória entre a elite internacional, encadeou outra grande temporada, sendo segundo no Giro de Trentino e estreando-se nas grandes Voltas, com um 19.º lugar no Giro. Os bons resultados prolongaram-se por 2013 e 2014, ano em se mudou para a NetApp-Endura, onde venceu a sua única prova por etapas, a Volta à Eslovénia, e se estreou no Tour com aparato. Uma queda à décima etapa, quando seguia na terceira posição da geral, condicionou-lhe o sonho, mas converteu-o num ciclista apreciado à escala planetária – entrou na ambulância, foi dado como desistente, mas teimou em voltar à estrada, vendo o seu esforço recompensado com uma ‘repescagem’ por parte da organização. 

No ano seguinte, assinou pela Katusha e voltou ao pódio da sua querida Volta ao Algarve – a vitória na ‘Algarvia’ e, sobretudo, o título de campeão nacional são dois desejos que recusa deixar de perseguir -, foi segundo na Volta à Baviera, no contra-relógio dos nacionais. Chamado ao Tour, teve uma performance discreta. Após uma temporada para esquecer, pautada por doença e quedas, Machado voltou ao Tour para construir memórias felizes. E conseguiu-o.

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