Sejam dignos das palavras que assinaram

Todos os governos, a começar pelo nosso, precisam de quebrar o seu intolerável silêncio com a degradação do estado de direito na Polónia.

As palavras mais importantes do Tratado da União Europeia estão no seu artigo 2º: “A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias.”

Até 2009, estas palavras não faziam parte dos tratados europeus — foram acrescentadas com o Tratado de Lisboa, numa das poucas coisas consensuais dessa revisão dos tratados. Juntas, elas formam o consenso político sobre aquilo a que se chamam “os valores da União”.

Numa União Europeia que demasiadas vezes anda obcecada por uma décima de défice orçamental, ninguém percebe que estes valores não sejam levados mais a sério. Há duas razões fundamentais para que o sejam. A primeira é que todos os países que aderem à União Europeia têm de demonstrar na sua candidatura que respeitam todos estes valores. Seria absurdo que, após a sua entrada na UE, os pudessem desrespeitar à vontade. A segunda é que, a partir da adesão de um país à UE, estes valores não servem apenas para proteger os cidadãos desse país, mas todos os cidadãos que passam a ter o direito de circular, trabalhar, estudar e viver em todo o território da UE. Os direitos de uns são os direitos de todos.

Nem sempre é claro, porém, que os tribunais de um país são também os tribunais de todos. Mas esta é a verdade: os tribunais nacionais são a primeira linha de aplicação do direito europeu. Se há razões fundadas para acreditar que o estado de direito deixou de funcionar num dos países (ou mais) da UE, é a própria razão de ser da UE que está em causa.

Agora imaginem que num determinado país da União os políticos decidem que todos os juízes do Supremo Tribunal devem ser demitidos de uma vez só, exceto aqueles que o Ministro da Justiça quiser manter nos seus cargos. Imaginem que no mesmo país o órgão disciplinar dos juízes (equivalente ao nosso Conselho Superior da Magistratura) passa a ter os juízes nomeados pela maioria parlamentar que apoia o governo, em vez de nomeados pelos pares, como é norma nas democracias dignas desse nome. Imaginem que nesse mesmo país qualquer juiz possa ser despedido pelo Ministro da Justiça, a bel-prazer do poder político. E imaginem que nesse país tudo isto passa sem problemas porque o partido no poder já conseguiu antes dominar o Tribunal Constitucional.

Esse país é a Polónia, caso o parlamento aprove as leis que o partido no poder (ironicamente chamado Lei e Justiça) quer fazer passar. Ora, isto é mais do que uma querela entre políticos e magistrados. O que temos aqui é um colapso sistémico do estado de direito, uma violação dos princípios da separação de poderes e da independência do judiciário. Se acontece num país da UE, sem consequências, também pode acontecer em qualquer outro país da UE. Juízes nomeados por políticos, disciplinados por políticos e sujeitos a serem despedidos por políticos são o sonho de qualquer político corrupto. Em suma: o que se passa na Polónia não é só uma grave violação das proteções a que têm direito os polacos, como cidadãos da UE, mas também um risco sério para todos os outros cidadãos da UE, de Portugal à Estónia. 

Os governos europeus não podem deixar este caso apenas à atenção da Comissão e do Parlamento Europeu. Esse foi o erro que cometeram com a Hungria, e que agora se está a pagar caro na Polónia. Todos os governos, a começar pelo nosso, precisam de quebrar o seu intolerável silêncio com a degradação do estado de direito na Polónia. Se não são capazes de o fazer, mais vale apagarem as palavras que puseram no Artigo 2 do Tratado da União Europeia.

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