Pedimos o mundo num SMS e o museu mandou-nos o oceano

Novo serviço do museu de arte moderna de São Francisco envia mensagens com obras de arte surpresa a pedido dos utilizadores para melhor explorar a sua colecção. Sucesso foi tal que operadoras pensaram ser "spam de arte”.

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Untitled, U.S. Army Reconnaissance Team, 1944
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Éponge, de Yves Klein
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Pedimos o mundo, e o San Francisco Museum of Modern Art (SFMoMA) mandou-nos o oceano, minutos antes da liberdade. Tudo por SMS. “Send me the world”, pediu o Ípsilon ao número que tornou o SFMoMA uma sensação viral e alguém que responde sempre às nossas mensagens. “Untitled”, respondeu ele, com uma imagem de reconhecimento do Exército dos EUA captada no Dia D do desembarque dos Aliados na Normandia.

O projecto Send Me SFMOMA, em que qualquer pessoa (mesmo de Portugal) pode enviar uma mensagem ao museu e receber de volta uma obra de arte (ou uma mensagem que lamenta não poder responder, como é o caso da reacção ao pedido “Send me Portugal”, mas que sugere que tentemos novo pedido), foi lançado em Junho. Nem um mês depois, é classificado como “uma sensação viral” pelo New York Times e o Art Net News disseca como é que o museu conseguiu tornar a arte, mais uma vez, “viral”.

A ideia é simples, a concretização também, mas a nuance é essencial. As respostas não são padronizadas e mudam conforme os pedidos, mesmo que sejam os mesmos. Podem ser feitos com uma mensagem que diga “Send me…” uma palavra ou tema à escolha, mas também que termine a frase com um emoji. As cores ou bandeiras também resultam. As trocas não são directas – não receberá um Félix González-Torres se pedir especificamente por ele, por exemplo. As imagens estão etiquetadas de forma com elementos inesperados ou de detalhe  - pedimos ao museu para nos mandar filmes, e ele devolveu Henri Cartier-Bresson a fotografar Marilyn na filmagem de Os Inadaptados (1960), a espreitar por uma janela em soutien. E para já, os pedidos de nus estão banidos.

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A dualidade contemplação/usufruto é uma constante na relação do espectador com a obra de arte. E agora, “num mundo saturado de informação, perguntámo-nos: como é que podemos gerar ligações pessoais entre um segmento diversificado de pessoas e as obras da nossa colecção?”, explica no site do museu Jay Mollica, tecnólogo criativo do SFMoMA . O serviço Send Me SFMOMA “foi concebido para trazer transparência à colecção e gerar mais discussão e exploração entre os utilizadores” visto que das 34.678 obras da colecção do museu californiano “só conseguimos mostrar 5% de cada vez nas galerias”.

Mas o serviço não serve só para mostrar obras há muito aconchegadas nas reservas, mas também porque o museu se relaciona mais com os seus visitantes potenciais ou reais, e porque se torna mais presente num mundo em que a relação entre tecnologia móvel e consumos culturais está em permanente mutação. “As pessoas perguntam-me quais são os nossos maiores concorrentes”, explicou no ano passado à revista Atlantic Sree Sreenivasan, então principal responsável pelo digital no Museu Metropolitan de Nova Iorque. Ele respondia: “Não é o [Museu] Guggenheim; não é o Museu de História Natural. É o Netflix. É o [jogo] Candy Crush.”

O Send Me SFMOMA cria também “experiências”, outro foco da vida moderna – é “cool”, como disse o actor Neil Patrick Harris quando twitou sobre o serviço há dias e causou tal interesse que os servidores do museu foram abaixo. “Manda-me algo azul”, pede-se, e de volta pode receber-se Éponge (SE180), de Yves Klein. “Manda-me algo triste”, e lá vem a fotografia de Jona Frank, Jordan, Rodeo Team, Montana (2000) de um jovem cavaleiro melancólico. “Manda-me política” e a instalação de Adrian Piper Art for the Art World Surface Pattern abre-se no telemóvel.

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Só na semana passada o serviço movimentou mais de dois milhões de SMS e segundo disse ao New York Times Keir Winesmith, responsável das plataformas digitais do SFMOMA, as buscas têm sido sobretudo aspiracionais. Em torno da paz, esperança, amor, flores ou felicidade, embora a tristeza também esteja entre as mais solicitadas, bem como os emojis do robô ou do coração, mas também o do cocó. Para melhor perceber como estes símbolos imensamente populares funcionam, o museu acoplou à equipa que trabalhava no novo serviço um “boot camp de emojis” para responder melhor aos pedidos que usam os pequenos desenhos e conhecer os seus códigos (a beringela como pénis, o pêssego como rabo, etc.). Fizeram o trabalho quase curatorial de associar terminologia e conceitos ao inventário das obras. Cada SMS desencadeia um novo pedido ao Interface de Programação de Aplicações (API em inglês) da colecção.

Esta não é a primeira vez que o SFMoMA é falado pelo seu rasgo no uso das possibilidades da tecnologia para a “experiência” museológica. Uma das suas visitas guiadas em áudio, disponível na sua aplicação para telefones, põe os actores Kumail Nanjiani e Martin Starr (da comédia Silicon Valley), no papel de visitantes menos conhecedores e que perguntam tudo, sem vergonhas ao curador que os acompanha. Mas no geral, e se fosse um estado numa rede social, podia dizer-se que a relação entre museus e telemóveis é complicada. Nos últimos anos e dada a sua omnipresença, os telemóveis e os smartphones em particular tornaram-se tanto fonte de distúrbios e danos nos museus como ímanes de atenção e portais de interacção com os visitantes.  

Em 2014, a National Gallery britânica foi notícia por ter levantado a proibição de fotografar nas suas salas, uma forma de reconhecer a realidade e de abrir também as suas portas ao “outro museu” que se passa nas clouds e redes sociais, nos retratos que os utilizadores fazem das suas visitas. Nove meses depois, fazia parte de um grupo de importantes museus europeus que proíbia o uso de selfie sticks no seu interior – e no último ano, dois casos sobressaíram, um no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, em que um Arcanjo São Miguel do século XVIII derrubado por um turista que recuava para fazer uma fotografia, e a recente selfie de uma visitante na galeria 14th Factory de Los Angeles que derrubou peças em pedestais e causou danos de 170 mil euros.

Hardware à parte, os códigos QR espalhados por alguns museus ou os convites a escolher uma obra para mais saber sobre ela, passando pelas aplicações que complementam as visitas ou a realidade aumentada são um software que ainda procura o seu caminho na definição da relação entre museus e os visitantes. No caso do museu de São Francisco, a ideia é ter “milhares de pessoas a relacionarem-se com a arte de formas divertidas, novas e muito pessoais”, como explica Jay Mollica. O tecnólogo cita um estudo que indica que o visitante médio passa cerca de sete segundos em frente a cada obra no SFMoMA, e estudos com um par de anos feitos no Louvre, por exemplo, revelam que os seus visitantes passam 15 segundos com a sua jóia da coroa, a Mona Lisa, e o Metropolitan de Nova Iorque, outro museu enciclopédico de dimensão esmagadora, contabiliza 32,5 segundos para cada obra. No seu telefone, como será?

Serem um caso noticioso é um bónus a acrescentar aos marcos de popularidade que têm atingido nas últimas semanas. No início do projecto, em fase beta, o número que o museu criou para receber os pedidos dos utilizadores foi de tal maneira solicitado que, conta Mollica, “foi posto na lista negra dos maiores operadores – achavam que o SFMoMA estava a encher as pessoas de spam de arte”. Nos primeiros quatro dias chegaram 12 mil SMS, interpelando mais de 3000 obras e agora os números são de milhões em poucos dias. O seu código é open source, pelo que pode ser usado por outros museus e nas redes sociais os utilizadores também se têm entretido a partilhar os resultados que cada mensagem produz. O número, a partir de Portugal, é +14157960446, e é pago.

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