PGR dá razão ao Governo. Protesto dos enfermeiros é ilegítimo

Porta-voz de movimento que lidera o protesto diz que enfermeiros continuarão a recusar-se a desempenhar funções especializadas até segunda-feira, dia em que ministro da Saúde "marcou reunião" com sindicatos

Foto
ADRIANO MIRANDA

É um rude golpe no protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia, que nas últimas três semanas tem estado a causar perturbações em vários blocos de parto de hospitais públicos. Este tipo de protesto inédito é ilegítimo, não está enquadrado na lei, e os profissionais que se recusem a exercer funções especializadas podem ser responsabilizados disciplinar e civilmente, avisa o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR), num parecer pedido pelo Ministério da Saúde e que foi conhecido esta quinta-feira.

No parecer, os magistrados dão também um puxão de orelhas à Ordem dos Enfermeiros (OE), que tem apoiado esta forma de luta, lembrando-lhe que está impedida de participar em acções deste género, por não ser uma associação sindical. 

O parecer não parece, porém, ter sido suficiente para desmobilizar os enfermeiros especialistas, que desde 3 de Julho se têm limitado a assegurar cuidadados gerais, obrigando nalguns casos os médicos a desempenharem as suas tarefas.

A bastonária da OE, Ana Rita Cavaco, garantiu já que continua a apoiar os profissionais que lutam por uma remuneração correspondente à sua especialização, enquanto o porta-voz do movimento que tem liderado este protesto, Bruno Reis, revelou, ao início da noite, que o Ministério da Saúde "marcou para segunda-feira uma reunião com" os sindicatos que estão a apoiar os profissionais em luta. "Até segunda-feira mantemos o protesto", disse.

Reclamando a divulgação integral do parecer – o Ministério da Saúde só divulgou as quatro páginas com as conclusões -, a bastonária Ana Rita Cavaco considerou mesmo que o ministro da Saúde está a fazer “uma birra” com os enfermeiros, depois de nos últimos dias ter “negociado com os técnicos de diagnóstico e com os farmacêuticos”.

Recusa é "ilegal"

Foi no final de Junho que o Ministério da Saúde pediu um parecer ao Conselho Consultivo da PGR com carácter de urgência, alegando que a recusa de desempenho de funções especializadas por parte destes profissionais  “é ilegítima e ilegal”. Um aviso que no entanto não os dissuadiu de avançar para a forma de luta invulgar que tem causado problemas em vários blocos de parto. Na terça-feira, a Maternidade Alfredo da Costa, admitiu ter tido “perturbações temporárias”.

As conclusões do parecer não deixam grande margem para dúvidas. A recusa de prestação de serviço dos enfermeiros com título de especialista, ao não ser enquadrável numa greve, “conduz a faltas injustificadas”, começam por defender os magistrados deste órgão colegial da PGR.

Tendo em conta a recusa individual de "exercer as funções incluídas no conteúdo funcional estabelecido legalmente para a categoria de enfermeiro que integram, com o fundamento de não existir diferenciação remuneratória, os enfermeiros com título de especialista sempre podem/devem ser responsabilizados disciplinarmente”, acrescentam.

Apesar de reconhecerem que os profissionais têm legitimidade para defender os seus "interesses remuneratórios", nomeadamente recorrendo à greve, os magistrados enfatizam que "também não é de afastar a responsabilidade civil pelos danos causados aos utentes, quando designadamente não seja salvaguardada a prestação de determinados serviços".

Ordem "não é uma associação sindical"

Referindo-se especificamente à OE, os magistrados lembram que esta "não é uma associação sindical" e "está impedida, pelos seus estatutos, de exercer ou participar em actividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros", não podendo decidir o recurso a uma greve. 

A OE respondeu, em comunicado, que "jamais convocou qualquer greve ou protesto". “Lamentamos profundamente que o Governo esteja mais preocupado em ameaçar os enfermeiros e a sua Ordem profissional em vez de lhes definir uma carreira justa e digna, tal como fez os últimos dias para outros profissionais do sector", refere o comunicado.

A recusa dos enfermeiros em exercer as funções especializadas tem que ver com uma reivindicação antiga, depois de em 2009 a carreira de enfermagem ter deixado de contemplar o grau de enfermeiro especialista e a remuneração correspondente. O que os profissionais argumentam é que para obterem este título (que é conferido pela Ordem) são obrigados a uma formação que é paga por eles.

No parecer agora conhecido, porém, o Conselho Consultivo da PGR alega que os diplomas de 2009 que definiram a carreira especial incluiram no conteúdo funcional da categoria de enfermeiro “funções que apenas podem ser desenvolvidas por enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista”. Assim, a “não diferenciação remuneratória dos enfermeiros detentores do título de especialista não implica violação do princípio constitucional de ‘para trabalho igual, salário igual'”. A diferença de habilitações, só por si, não “obriga a diferenciação remuneratória”, acrescenta.

O protesto arrancou em 3 de Julho, quando os enfermeiros especialistas deixaram  de exercer as funções especializadas, nomeadamente a assistência ao "parto normal" nas maternidades dos hospitais públicos, entre outras tarefas. Num balanço feito no início deste semana, o Movimento de Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica (MEESMO), que tem liderado este protesto, afirma que vários partos não estão a ser assistidos no domicílio e que há grávidas de alto risco em trabalho de parto que estarão a efectuar "percursos de ambulância que chegam aos 60 quilómetros". 

Já com uma greve agendada para entre 31 de Julho e 4 de Agosto, alertaram também para casos de grávidas que terão ultrapassado a data segura prevista para o parto e casos de blocos de obstetrícia encerrados.

 

<_o3a_p>

Sugerir correcção
Ler 2 comentários