Fotojornalismo
Ucrânia: a guerra perdura, apesar de esquecida
O conflito na Ucrânia parece ter desaparecido da agenda política mundial e do foco dos meios de comunicação social; é contra o esquecimento que trabalha o fotógrafo freelancer italiano Giorgio Bianchi. "Os governos estão engajados em questões relacionadas com o Médio Oriente, nesta altura particular da História, e existe o risco de este conflito ser ignorado, esquecido", disse ao P3, por email. Depois de quatro viagens à Ucrânia, no curso de dois anos, Bianchi achou que já tinha coberto os aspectos mais importantes da guerra — os protestos Euromaidan, os confrontos em Donbass, os motins em Kiev, a destruição de Debaltseve. O fotógrafo concluiu que estava enganado depois de perceber que, abaixo da superfície, milhares de histórias aguardavam apenas um olhar atento e um veículo. "Os principais meios de comunicação social cobrem, em simultâneo, todos os conflitos da actualidade. O problema é que utilizam uma fórmula 'fast-food' na forma como apresentam os conteúdos, saltando de situação em situação sem nunca aprofundar. A abordagem do jornalista ou fotógrafo freelancer é diametralmente oposta. Os jornalistas independentes podem fornecer aos leitores uma perspectiva mais profunda por não serem escravos de uma agenda. Desta modo, têm a possibilidade de rasgar a superfície e perscutar o que está para além da aparência." Assim surgiu a necessidade de fotografar o conflito, "a partir da ideia de que é importante destacar as personagens principais deste conflito, os actores invisíveis que são afectados por estes eventos". "Contar as estórias e registar os desafios quotidianos destas pessoas, o seu esforço por sobreviver à destruição de tudo o que tomavam por garantido, documentar a desintegração das suas comunidades e a forma como vêem comprometido o seu futuro" é a missão de Bianchi. A experiência pessoal de Bianchi fundiu-se, muitas vezes, com as dos combatentes e com as dos civis ucranianos. Em Julho de 2016, o fotógrafo focalizou a sua energia em Spartak, uma das muitas vilas afectadas pelo conflito, em particular num grupo de combatentes que tinha sede num edifício abandonado e cuja missão era a detecção da presença de soldados inimigos nas imediações. O fotógrafo deu por si preso num bunker subterrâneo, na companhia de vários soldados, durante um bombardeamento. "Passámos a noite sem saber se iríamos sobreviver. Um soldado chorava, outro gritava, outro tentava consolar o seu irmão-de-armas e outro tentava orientar um amigo desesperado." Nesse momento, emergiu, para o fotógrafo, a verdadeira essência da guerra: "é um buraco negro capaz de engolir homens, estruturas sociais e culturais, coisas, animais, plantas", concluiu. "É capaz de transformar tudo em caos primordial." Durante o bombardeamento, "a humanidade dos soldados emergiu". "Era exactamente aquilo que procurava há dias, o ser humano que se esconde por detrás de um uniforme." Bianchi acredita que só revelando esse lado humano se é capaz de criar uma plataforma empática entre actor e espectador. O regresso a Donbass está marcado para breve. Em conjunto com o realizador Matteo Gagliardi prepara um documentário intitulado "Apocalypse Donbass", que integra imagem em movimento, fotografia, vídeo captado por soldados e civis. "Iremos contar a mesma história de uma forma completamente diferente. Conseguiremos, através da edição conjunta de todos estes elementos, transmitir a dor, o sofrimento, o medo e esperanças que emergem neste tipo de contexto sem nunca ter de retratar uma situação forçada ou mesmo encenada."