Não tenho feitio para emigrante

Se eu podia ter emigrado para ganhar mais? Podia. Se podia andar a conhecer mundo e meio com esse dinheiro extra? Podia. Se eu podia deixar este sítio onde sou feliz e voltar só nas férias? Não, isso não podia

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Slava Bowman/Unsplash

Observei atentamente, sem críticas e sobretudo sem manifestar opiniões, os que saíram do país, uns (poucos) por necessidade, outros à procura de mais, mais estatuto, mais euros —  libras, francos — na conta bancária, mais desafios, mais emancipação, mais mundo, mais gente! Tentei contá-los mas perdi-lhes a conta ao longo do tempo esquecido e a alguns até lhes perdi um bocadinho do rasto. A vida é mesmo assim, estamos em constante mudança, eles por lá e eu por cá. As pessoas mudam e não é por estar aqui que não mudei também. Tenho uma visão muito clara do que quero e especialmente do que não quero.

Não condeno quem sai por vontade de arriscar, bato palmas de pé a quem tem coragem de largar tudo, deixar a família para trás, os amigos, toda uma enormidade de encontros, reuniões de amigos, jantares e almoços, baptizados, casamentos, festas várias, comemorações sem data, Natal, Páscoa, enfim, um sem fim de ocasiões a que muitos não dão valor quando estão sempre por perto, mas que estando longe os faz sentir uma pontinha de nostalgia e saudade, ah saudade, essa coisa tão nossa.

Sou uma pessoa da família e dos amigos, quem me tira aquele canto tão meu onde os meus se reúnem, quem me tira aquela mesa tão portuguesa onde nos sentamos e passamos horas esquecidas entre histórias, sorrisos, cumplicidades e críticas, quem me tira aquelas noites de caldo verde e castanhas assadas como quem vai só ali jantar, quem me tira os almoços de família só porque está sol, quem me tira aqueles jantares repentinos entre amigos só porque ninguém tem nada feito para jantar, quem me tira aqueles cafés, cujo café é mera desculpa, para um momento de sol na esplanada em frente ao mar ou à beira rio, quem me tira isso, tira-me tudo.

Sou dos meus. Sou dos que estão cá mas também dos que decidiram ir algum dia. Eu sou o resultado desses momentos, de reuniões familiares, momentos tão nossos com o volume no máximo, o humor aguçado e o sentido crítico afiado.

Se eu podia ter emigrado para ganhar mais? Podia. Se podia andar a conhecer mundo e meio com esse dinheiro extra? Podia. Se eu podia deixar este sítio onde sou feliz e voltar só nas férias? Não, isso não podia. Ganho muito menos, conheço o mundo mais lentamente e sempre em modo low cost, faço muitas contas e às vezes a ginástica que é precisa no meu orçamento de Estado faz-me transpirar, mas enquanto eu conseguir aqui viver (e não sobreviver) ninguém me arranca deste pedaço de céu à beira do mar na minha praia.

Vi-os sair do país com vontade de se mandarem para o desconhecido, vi-os sair do país apenas para contrariar a tendência depressiva que se vivia por aqui, vi-os sair só para mostrarem ao mundo que são melhores do que os que ficaram, vi-os sair com vontade de aprender mais e de fazer a diferença, vi-os sair e tenho a sensação de que um dia vou vê-los voltar, não todos, mas quase todos, mesmo alguns que julgava que nunca mais voltariam, até esses vão regressar ao conforto de ter a família por perto como rede de suporte para ajudar a criar os mais novos, para, de alguma forma, incutir nos mais novos a relação familiar que eles próprios decidiram quebrar um dia. E no dia em que voltarem cá estarei, não chegarão os mesmos, não me encontrarão a mesma, mas sei que haverá ainda algo que lembre o que fomos e o que não se perdeu em anos de distância.

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