Histórias do Tour: É a sorrir que Esteban Chaves enfrenta as desventuras

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Esteban Chaves DR

Este era o ano em que o rapaz do sorriso gigante iria realizar o seu sonho, pelo menos parcialmente. "Desde pequeno que me imaginava a ganhar o Tour. Lembro-me de ver o [Lance] Armstrong e aspirar vestir essa camisola amarela". Mas uma inoportuna lesão quase lhe estragou os planos. Tinha sido um início de época inesquecível: segundo no Tour Down Under e nono no Herald Sun, Esteban Chaves regressou a casa em grande forma para participar nos nacionais. Uma irritante dor no joelho, que teimava em não passar, era, afinal, uma lesão impossível de contornar. Na Primavera, enquanto os outros candidatos à geral do Tour se degladiavam nas corridas europeias, o segundo classificado do Giro 2016 dava braçadas na piscina, de modo a não perder a forma. Após quatro semanas sem subir a uma bicicleta, o colombiano retomou os treinos. Treinou, treinou e quatro meses depois lá estava, em Düsseldorf, pronto a estrear-se no Tour.

Desistir não é um verbo que saiba conjugar, desde que chegou ao mundo, em Janeiro de 1990, "pequenino, pálido e feio, quase morto" e medrou na incubadora. Dos inícios no ciclocrosse, quando se zangou com o pai, um ciclista frustrado tornado carpinteiro, porque este exigia demasiado de si, à escassez de meios de subsistência e à vida de saltibanco da família, motivadas pela sua decisão de ser ciclista profissional, a vida de "chavito" sempre foi pautada por obstáculos. O maior, no entanto, apareceu sob a forma de um sinal de trânsito.

Os meses anteriores tinham sido de grande euforia. Um ano depois da queda que o afastou da Volta a França do Futuro, quando seguia com a camisola da montanha vestida, regressou ao Tour das esperanças para conquistar a amarela final, em 2011. O triunfo valeu-lhe ofertas globais, mas o miúdo de Bogotá, que costumava recortar imagens de Armstrong e Alejandro Valverde para colar nas paredes do quarto, preferiu ficar no conforto do lar. Foi com as cores da nacional Team Colombia que festejou a sua primeira vitória como profissional, na Volta a Burgos de 2012, onde também foi o vencedor da juventude. A carreira de Chaves estava lançada, tanto quanto ele naquela descida do Trofeo de Laigueglia (Italia), a 16 de Fevereiro de 2013. Em posição aerodinâmica, entrou numa curva a alta velocidade e não viu o marco de sinalização. O impacto teve consequências devastadoras: traumatismo craneoencefálico, contusão polmunar, fracturas no ouvido direito, no maxilar, na base do crânio e de clavícula.

Quando acordou no hospital, dias depois, sem recordar os 30 quilómetros que antecederam o terrível acidente, "chavito" chorou. De todos os males, o maior, aquele para o qual os médicos não pareciam ter solução, era o estado lastimável em que se encontrava o conjunto de nervos que ia desde a nuca até aos dedos da sua mão direita. Com apenas 22 anos, o colombiano arriscava-se a perder a mobilidade do braço direito. “Obviamente, pensei que teria de abandonar o ciclismo. Foi incrivelmente duro. Os atletas não fazem mais nada além do desporto. Não estudamos, não trabalhamos, só praticamos desporto. Pensar que, aos 22 anos, a minha carreira poderia acabar foi doloroso. O que haveria a seguir? Não podia mexer o braço, então como poderia trabalhar?”.

Assim que recuperou as forças para caminhar, foi transferido para Bogotá, onde, a 15 de Maio, foi submetido a uma cirurgia inovadora, que durou nove horas: os médicos tentaram reconectar os nervos do braço, retirando nervos do seu pé direito. O processo de recuperação foi desesperante. Semana após semana, o braço não dava qualquer sinal. Teve de aprender a escrever, comer, pentear-se e lavar os dentes com a mão esquerda. Durante três meses não parou de chorar. Até que, numa tarde de Agosto de 2013, no exame semanal de rotina, a eletromiografia detectou uma ténue resposta.

Chaves recuperou a esperança. Quase em simultâneo, o telefone tocou. Do outro lado, um sotaque inglês pronunciado. “Quando me telefonaram, pensei que estavam a gozar comigo. Uma oferta da Austrália, se estava retirado do ciclismo? Mas era a sério, e uma equipa grande”. A Orica-GreenEDGE (agora Orica-Scott) era o empurrão final que Chaves precisava na sua recuperação. “Costumo dizer que estes tipos da Orica foram a minha luz ao fundo do túnel. A determinada altura da minha vida, tinha perdido tudo. Agora, estar simplesmente na partida das corridas é maravilhoso”. Esta história pode ainda não ter o final feliz que "chavito" sonhou – a sua estreia do Tour, abalada também pela morte da sua fisioterapeuta num acidente rodoviário logo nos primeiros dias, está longe de ser a desejada -, mas o sempre sorridente colombiano, segundo do Giro 2016 e terceiro da Vuelta do mesmo ano (tem também uma vitória em etapas em Itália e duas em Espanha), pode alegrar-se por ser um dos verdadeiros heróis do pelotão.

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