Ferdinando, o Touro e as suas mensagens anti-taurinas

Esse “desporto” a que chamam tourada mais não é para mim que um espetáculo lamentável realizado às custas do sofrimento de um ser vivo para gáudio de uma audiência que rejubila perante o sofrimento do touro que nada fez para estar a ser torturado

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Está prevista para dezembro deste ano a estreia em Portugal do filme de animação Ferdinando, o Touro. Estamos a falar de uma nova versão da curta-metragem de animação da Walt Disney que, por sua vez, era baseada na obra de Munro Leaf, A História de Ferdinand. Pela visualização do trailer que já foi lançado publicamente, parece-me que a personagem principal da curta-metragem de 1938 mantém as suas características. Ou seja: estamos perante um touro que prefere observar a paisagem, sentir o aroma das flores, à sombra de uma árvore, do que treinar para ser escolhido para as touradas. Temos presente um animal terno, meigo e muito calmo que é escolhido por engano para participar numa tourada, tendo em conta o seu enorme porte. Na versão de 1938 é anunciada a sua ferocidade e bravura mas, quando o animal entra na arena, o seu único interesse é um ramo de flores que o toureiro traz na mão. Estamos perante uma personagem que foge ao padrão atribuído à sua raça, um pacifista que se nega a ser violento. No fundo, tanto o livro, como a curta-metragem e, penso, também será o caso nesta longa-metragem que irá estrear, defendem um clima de paz e não-violência, assim como de tolerância. Diz-se que Hitler terá ordenado que a obra de Munro Leaf fosse queimada. Diz-se também que era uma das obras preferidas do pacifista Ghandi. Em Espanha chegou a ser proibida por se considerar que era uma crítica à Guerra Civil nesse país. Como qualquer grande obra de literatura, várias são as interpretações que se podem ter e será eventualmente por isso que já se ouvem algumas vozes que mencionam o facto de o filme ter informações anti-taurinas (e ainda só assistimos ao trailer!)

No que me diz respeito (e sei que estou a pisar um ninho de vespas) parece-me muito bem que o filme tenha essas informações (se é que as tem). Esse “desporto” a que chamam tourada mais não é para mim que um espetáculo lamentável realizado às custas do sofrimento de um ser vivo para gáudio de uma audiência que rejubila perante o sofrimento do touro que nada fez para estar a ser torturado. Sei que esta é uma discussão inútil. Depressa se irão levantar as vozes argumentando sobre a nobreza e a arte da tourada (que, assumo, não consigo encontrar nem perceber). Sei que irão tecer argumentos vários. O principal? A tradição milenar. Não se pode acabar com uma tradição do país. Seria perdermos um pouco da nossa identidade! No seguimento dessa ideia de manter a tradição seria normal termos ainda arenas ocupadas com gladiadores. Certo? No que a mim me diz respeito, tradições destrutivas ou que façam sofrer seres vivos não são para manter. E esse é o caso das touradas.

Gosto particularmente de um segundo argumento: o touro é muitíssimo bem tratado durante a sua vida (e não tenho dúvidas disso porque sempre que sou assaltada por alguma imagem de touradas na televisão, verifico que o touro tem um aspeto extremamente saudável). Mas ser bem tratado em vida dá-nos o direito de lhe oferecer uma morte tão violenta? A minha gata não iria gostar de ter essa informação...

Também não suporto a ideia de que existe honra e que a tourada presta homenagem à força e ferocidade do touro. Mais uma vez são imagens que não consigo ligar: honramos, torturando? Não consigo entender…

E, por fim, o argumento mais pesado: os touros bravos são criados apenas e só com a finalidade de serem lidados. Abolindo touradas, abríamos caminho para a extinção da espécie. E a isto respondo, e perdoem-me se isto soa a alguma frieza, mas manter uma espécie apenas e só com o intuito de, mais cedo ou mais tarde, a fazer sofrer, traz algo de bom a essa espécie? Penso que não. Mais uma vez não me faz sentido.

Tendo discutido várias vezes este assunto com aficionados das touradas, ouvi, mais do que uma vez a famosa “tens de presenciar o espetáculo para o entenderes”. Ao que respondo: “presenciei algo parecido e não gostei nem um pouco!” Na minha época de estudante de Coimbra era tradição, na semana académica, assistir à garraiada na Figueira da Foz. E eu lá fui um ano (inconsciência da juventude). Apesar de não apreciar nem um pouco garraiadas, pensei que a brincadeira com um vitelo não seria muito violenta para o mesmo. Qual não foi o meu espanto quando vi que estavam presentes animais de um porte considerável e que eram lidados tendo-lhes sido espetadas as famosas bandarilhas. Sinceramente não senti a honra de que tanto falam. Senti angústia, tristeza e remorso por estar a assistir a um espetáculo onde se derramava o sangue de um animal. Para experiência bastou. Não preciso, nem quero, assistir a mais qualquer tipo de espetáculo do género.

Voltando ao Ferdinando, o Touro. Espero que o filme continue, tal como o livro em que se baseia, a passar uma mensagem de não-violência, uma mensagem de aceitação da diferença e sim, espero que traga com ele uma mensagem anti-taurina. Espero que os espetadores saiam da sala de cinema com essas mensagens bem claras na mente.

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