Como ter maioria em todo o lado e falhar: uma lição de Trump e do Partido Republicano

Divisões internas fazem ruir no Senado mais uma tentativa para acabar com o Obamacare, a lei mais emblemática da presidência de Barack Obama. Presidente não quer desistir, mas há enormes diferenças entre moderados e conservadores.

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Donald Trump e o speaker da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Ryan Joshua Roberts/Reuters

No início tudo era cor-de-rosa, como num belo conto fadas e na maioria das campanhas eleitorais. Com o Presidente Donald Trump na Casa Branca, a lei conhecida como Obamacare iria ser apagada da História e substituída por uma nova lei fantástica, maravilhosa e enorme – tão enorme que faria o milagre de reduzir os gastos do Estado e melhorar os cuidados de saúde para milhões de americanos.

Em Novembro do ano passado, após as eleições para a Casa Branca e para o Congresso, a porta ficou escancarada: ao fim de 12 anos, o Partido Republicano iria voltar a ficar em maioria nas duas câmaras do Congresso (a Câmara dos Representantes e o Senado), e o seu candidato acabara de derrotar a democrata Hillary Cinton nas presidenciais.

Por outras palavras, o Partido Republicano – que andara sete anos a dizer cobras e lagartos do Obamacare – tinha finalmente a faca e o queijo na mão para enterrar a maior bandeira legislativa da era Obama. Bastava que a sua maioria na Câmara dos Representantes votasse de acordo com o que andara a dizer na última década, que a sua maioria no Senado fizesse o mesmo, e que o seu Presidente pusesse a assinatura na lei que todos prometeram durante a campanha.

O problema é que tanto os líderes do Partido Republicano no Congresso como o Presidente Donald Trump têm batido de frente contra a realidade várias vezes desde o início do ano, e ainda ninguém sabe como vai ser possível unir as diferentes sensibilidades internas, para que seja possível aproveitar um raro controlo dos poderes legislativo e executivo.

O último desses choques aconteceu na noite de segunda-feira, quando dois senadores do Partido Republicano tiraram o tapete aos seus líderes e anunciaram, de forma surpreendente e ao mesmo tempo que Trump jantava na Casa Branca com outros senadores, que a lei anti-Obamacare não teria o seu apoio se fosse a votos.

O anúncio simultâneo dos senadores Mike Lee, do Utah, e Jerry Moran, do Kansas, criou ao Partido Republicano um obstáculo aritmético inultrapassável no Senado: com uma maioria de 52-48, os republicanos só poderiam dar-se ao luxo de perder dois votos no seu próprio partido (em caso de igualdade, o desempate é feito com o voto do vice-presidente norte-americano, que é o presidente do Senado). O problema é que as negas de Lee e Moran, na noite de segunda-feira, somaram-se à oposição já anunciada dos senadores Rand Paul, do Kentucky, e Susan Collins, do Maine: fazendo as contas, se a lei anti-Obamacare fosse a votos no Senado nos próximos tempos, o Partido Republicano e o Presidente Trump teriam de lidar com mais uma derrota humilhante.

Moderados vs Conservadores

Mas o sentido de voto destes quatro senadores não é a principal preocupação do Partido Republicano e do Presidente Donald Trump. Por um lado, os senadores Mike Lee e Jerry Moran avançaram em conjunto para que nenhum deles ficasse com o ónus de ser o 3.º elemento que iria estragar os planos ao partido; por outro lado, a oposição destes dois senadores indica que há muitos outros descontentes, mas que por enquanto não querem problemas com a liderança do partido.

Para além disso – e talvez mais importante do que tudo o resto –, os quatro senadores do Partido Republicano que deram a cara não se opuseram pelas mesmas razões. Enquanto Susan Collins acha que o substituto do Obamacare vai deixar milhões de pessoas desprotegidas, os outros três senadores querem uma nova lei ainda mais radical.

São estas divisões internas que a liderança do Partido Republicano no Senado e o Presidente Donald Trump terão de conciliar se quiserem aproveitar a maioria nas duas câmaras do Congresso – que pode desaparecer, ou ficar ainda mais apertada, nas eleições de Novembro de 2018. Uma tarefa muito difícil quando muitos senadores do Partido Republicano que vão a votos no próximo ano têm à perna os governadores dos seus estados a dizerem-lhes que o Obamacare afinal até nem é assim tão mau – de acordo com as sondagens, o apoio à lei mais emblemática da presidência de Barack Obama tem vindo a subir, ainda que ligeiramente: no ano em que foi aprovada, em 2010, tinha o apoio de 39,9% dos inquiridos e a oposição de 51,4%; já este ano, a média das sondagens no site Real Clear Politics mostra que o apoio já é superior à oposição (46,8% contra 43%).

Presidente não desiste

Para chegar aos senadores, a lei a que os democratas chamam agora Trumpcare teve de passar pela Câmara dos Representantes, mas essa primeira vitória foi arrancada a ferros. Aconteceu em Maio, por uma margem de apenas quatro votos (quando o Partido Republicano tem mais 46 representantes do que o Partido Democrata), e dois meses depois de uma primeira tentativa que nem sequer chegou a ir a votos por falta de apoio no interior do partido.

Depois do falhanço desta semana no Senado, o Presidente Donald Trump assegurou, no Twitter, que o Obamacare vai mesmo ser revogado e substituído – só não se sabe bem como. Num primeiro tweet sobre o assunto, Trump disse que os republicanos deveriam "revogar o débil Obamacare por agora e começar a trabalhar num novo plano a partir do zero", garantindo que o Partido Democrata iria "juntar-se" a esse esforço.

Horas mais tarde sugeriu outro caminho, totalmente diferente em termos de trabalho para aproximar posições divergentes no Senado: "Como eu sempre disse, deixem o Obamacare falhar e depois unam-se e façam um fantástico plano de cuidados de saúde. Fiquem atentos!"

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