Afinal, aprender o nome das árvores não é difícil. Basta um café

Um café antes do almoço de domingo pode ser o pretexto para conhecer as árvores de Lisboa. E as escolas também podem ajudar: o Liceu Passos Manuel dá o primeiro passo já neste Verão.

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Brachychiton acerifolia em floração no Centro Ismaili no ano passado Vera Ramos
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A mesma árvore este ano Centro Ismaili
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Plátano de Hipócrates - Jardim do Príncipe Real (Edição 2016) Gonçalo Valente

“As árvores são como as pessoas. São todas diferentes”. Quem o diz é a arquitecta paisagista Vera Ramos, que o convida a conhecer as árvores de Lisboa. 1café+1árvore é o nome da iniciativa que organiza duas vezes por mês e o ponto de encontro é sempre um café — próximo do jardim ou espaço público onde está a árvore que se propõe apresentar “durante uma hora ou horinha e meia”.

O que a arquitecta paisagista de 45 anos valoriza é a experiência de estar ao pé da árvore. “A mailing list que criei para aqueles que não conseguem estar presentes permite-me divulgar o conteúdo do evento mas um dos princípios subjacentes a esta iniciativa é ver a árvore ao vivo. Ir além das fotografias ou das imagens dos livros”, acentua. Acredita que se torna mais difícil a pessoa esquecer se a aprendizagem estiver enraizada numa memória — “Uma coisa é ler que uma árvore pode atingir 30 metros de altura. Outra, completamente diferente, é estar ao lado dela e olhar para cima e não lhe ver a ponta”.

A semente do projecto foi lançada em 2013 quando quis explicar aos seus amigos arquitectos que as árvores não eram todas iguais. “Depois de muitos anos a trabalhar com arquitectos que não sabiam distinguir um freixo de um carvalho, decidi organizar estes encontros”, conta. E, para os mais distraídos, esclarece a distinção entre arquitectura paisagista e arquitectura — “A maior parte das pessoas pensam que os arquitectos paisagistas tiram o curso na faculdade de arquitectura, o que não é verdade. A nossa formação está muito mais ligada à área agrícola e o que nós construímos não são edifícios, mas paisagens”.

Apesar de inicialmente pensado para arquitectos, com o tempo, o grupo de participantes nestes encontros de domingo não só cresceu, como se diversificou — desde crianças a idosos, de biólogos a empresários. Vera Ramos conta que já chegou a ter mais de 20 pessoas, mas que o número é bastante variável “conforme as disponibilidades”.

O que a deixa satisfeita é a possibilidade de as pessoas trazerem algo de novo para as suas vidas. “Uma vez, fui mostrar a Ginkgo do jardim da Amoreiras e houve um senhor que ficou muito contente por ter reconhecido a árvore que era igual àquela que vê todos os dias da janela do seu escritório, na Avenida João XXI”.

Uma árvore, uma história

A escolha da protagonista de cada encontro é sempre criteriosa. “Quando proponho uma árvore não é apenas por ser de uma determinada espécie, mas por ser aquela e não outra. Por exemplo, [para o segundo encontro de Julho] escolhi a Brachychiton acerifolia [árvore-de-fogo-de-Illawarra] do Centro Ismaili e não a mais jovem, que está no Jardim da Estrela”, sublinha Vera Ramos. Porquê? Porque, no ano passado, a Brachychiton do Centro Ismaili teve uma floração extraordinária e há uma história de sobrevivência para contar: “Na altura da construção do centro, foram plantadas várias árvores destas mas esta foi a única que chegou à fase adulta”. E conseguiu-o porque, face a um desafio inesperado, tirou o melhor partido da situação em que se encontra: “esta Brachychiton estava à sombra de uma tipuana — aquelas árvores gigantescas com florinhas amarelas — quando houve uma grande tempestade em 2011, que danificou totalmente as tipuanas. Pensámos que árvore ia ficar desprotegida mas esta Brachychiton aproveitou a luminosidade e deu um salto brutal no seu crescimento”.

Porém, Vera Ramos não contava com “a partida” que esta árvore-do-fogo lhe pregou: “No ano passado, estava carregadinha com as suas flores vermelhas mas infelizmente este ano não”. Pensa que as razões para o sucedido possam estar relacionadas com as temperaturas subitamente quentes que se fizeram sentir ou com o que, às vezes, acontece com algumas árvores de fruto: após um ano de floração intensa, segue-se um ano em que dão menos flor.

Desde o ínicio, todos os anos têm um tema. O da primeira edição, em 2013, foi “as árvores portuguesas mais simples de todas”, 2014 foi o ano das árvores mais frequentes das cidades, 2015 foi dedicado às árvores gigantes e no ano passado “fez-se um back to basics porque muitas das pessoas que não vieram aos primeiros encontros pediram que se repetisse o tema da primeira edição”. Árvores e Cores foi o tema que a arquitecta paisagista elegeu para 2017, em que se pretende explorar a carácter ornamental das árvores.    

O calendário, com as datas, o café, a árvore e o local onde esta se encontra, já está disponível na página de Facebook da iniciativa. Os encontros são sempre em sítios diferentes porque, como diz a organizadora, "Lisboa está muito bem servida de árvores".

Árvores à espera de ser (re)descobertas nas escolas

A arquitecta paisagista Vera Ramos, após 15 anos enquanto projectista, decidiu apostar mais na pedagogia e comunicação sobre a paisagem. Vera queria partilhar com as pessoas o que tem aprendido e continua a aprender e daí a organização do 1café+1árvore.

No entanto, estes passeios informais das manhãs de domingo deram frutos noutros ramos. “O nome das árvores não é ensinado nas escolas e não percebo porquê, porque não é nenhum bicho-de-sete-cabeças”, diz, com um sorriso.

No século XIX, a botânica fazia parte da formação-base dos alunos de liceu e Vera lamenta que, com o tempo, o conhecimento das árvores se tenha erodido. “Hoje em dia, os projectos de arquitectura que se fazem para as escolas são muito pobres ao nível da variedade de espécies que os pátios têm”, refere ainda.

Mas perante este cenário desanimador, Vera não quis ficar de braços cruzados. Com Tiago Galo (ilustrador e web designer) e Cláudia Vital Oliveira (designer gráfico), formou a equipa Arvoredo e propôs um projecto à escola básica e secundária Passos Manuel: “Conhecer para proteger — As árvores da nossa escola”. O projecto começa já neste Verão e visa envolver professores e alunos na identificação das árvores da escola. “O Passos Manuel é o liceu mais antigo do país e foi projectado com um jardim botânico incluído, por isso ainda faz mais sentido”. A escola tem 18 espécies diferentes de árvores, o que é extraordinário, diz Vera.

Texto editado por Ana Fernandes

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