Proibido chumbar

Num país manietado pelo socialismo, o que o parece não é. A imposição legal do ministério vem (re)institucionalizar as passagens administrativas, à boa moda dos idos do PREC.

A Educação é hoje refém de um princípio ideológico de estatização. Assumindo que concorre como primeiro viveiro das liberdades, oficina da humanidade e alavanca da mobilidade social, é preocupante a continuação de uma doutrina planificadora pouco consentânea com a abertura que caracteriza as democracias contemporâneas.

Pior ainda do que um Estado monopolista que tudo ordena, só um Governo que manda mal. Senão vejamos: o gabinete do ministro da Educação desenhou o despacho normativo 1-F/2016, datado de 5 de Abril, onde se lê no artigo 21.º que “a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excepcional”.

Dir-se-ia, segundo uma interpretação optimista do texto, que a “excepcionalidade” da retenção estaria sempre condicionada à avaliação positiva de aprendizagens do aluno. Ou seja: o ministério recomendaria a título de orientação genérica que cada estabelecimento de ensino gizasse a melhor metodologia educativa no sentido de permitir a assimilação de conhecimentos com êxito por parte da maioria dos alunos. Assim, a transição de ano, embora ocorresse inevitavelmente, concluiria também pela boa condução da estratégia pedagógica das escolas, já que apenas casos considerados residuais não estariam em condições de lograr aproveitamento.

Ora bem, num país manietado pelo socialismo, o que o parece não é. A imposição legal do ministério vem afinal (re)institucionalizar as passagens administrativas, à boa moda dos idos do PREC. Um “remake” empoeirado, com a substituição das famosas assembleias-gerais controladas pelos estudantes revolucionários da época, por conselhos de turma, órgão máximo de avaliação composto por “professores mãos-largas”. Onde, independentemente do número de negativas dos alunos, que pode chegar a metade (ou até mais) das disciplinas, os docentes nele reunidos, pressionados pelo director da escola para cumprirem a directiva ministerial, decidem pela transição. Considerando, para tanto, que o discente pode recuperar as competências não desenvolvidas em anos futuros.

Sabendo nós que os programas anuais estão encadeados no quadro do plano de estudos de cada ciclo, de acordo com um modelo de aprendizagem progressiva do tipo “step by step”, nos termos do qual são ministradas gradualmente as matérias essenciais para se compreender as temáticas subsequentes; não se vislumbra como podem os estudantes abrangidos pela “caridadezinha professoral” resgatar o conhecimento perdido através da instrução de novos capítulos mais complexos cuja compreensão tem por base as competências adquiridas que infelizmente ignoram.

Fica assim demonstrado que o critério que serve de sustentáculo à “passagem administrativa” é, portanto, iníquo. Para além de altamente discricionário. Uma vez que depende de uma análise subjectivista para determinar a capacidade de cada aluno recuperar a ciência que não desenvolveu, podendo ter lugar o bizarro de dois alunos com o mesmo número de negativas, um transitar de ano e outro não. Ou até mesmo, em escolas diferentes, o conselho de turma de uma delas determinar que um aluno com nove chumbos pode inscrever-se no ano curricular seguinte, enquanto o outro julga imprudente essa decisão.

No entendimento de Tago Brandão Rodrigues, os chumbos são ineficazes, caros, punitivos e segregadores. As falácias retóricas traduzidas significam o facilitismo como regra de ouro no universo estudantil. Utilizando a chave de leitura correcta, apuramos que: ineficazes, sim, são os milhares de milhões de euros mal gastos numa educação cujos resultados literários podem ser rigorosamente nenhuns; cara, sim, é a política de ensino que não semeia valor no espírito dos estudantes; punitivos, sim, são os efeitos da impreparação académica no desemprego jovem; segregadores, sim, se fossem sinónimo de diferenciação em função do mérito, conforme se exige de qualquer sistema de avaliação, ao contrário do igualitarismo rasteiro que desincentiva a vontade de aprender.

A erradicação da exigência assola um ministério rendido à ignomínia das estatísticas. A educação pública em Portugal promove o embrutecimento dos estudantes, obrigados a sentar-se numa sala de aula onde no final do ano lectivo estão cronicamente destinados ao carimbo de transição sem precisarem de ter aprendido coisa alguma. Nesta nova "escola negativa" é mais difícil chumbar de ano do que conseguir aprovação em cada disciplina. Para passar basta reprovar. O “nacional-porreirismo” pode até ser amigo dos números para os quais Tiago Brandão Rodrigues governa, mas rouba certamente a formação intelectual cabal, capaz de oferecer um futuro decente às novas gerações. Anda o dinheiro dos nossos impostos a pagar um serviço tão pérfido, em vez de investir na autonomia das escolas e na liberdade de escolha das famílias.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

 

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