2018 é que será o ano da descentralização e da eutanásia?

Muitos temas em que a esquerda não se entende, como a Uber ou o alojamento local, ou em que o PS precisa do PSD, como a descentralização, a transparência ou as leis eleitorais, arrastam-se para a próxima sessão legislativa, que começa a 15 de Setembro.

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Enric Vives-Rubio

Não sendo o estado da Nação, é um esboço do estado do Parlamento: são raros os pacotes legislativos que sofrem a pressão de que a reforma da floresta foi alvo para haver resultados em quatro semanas e também por isso há assuntos que ficam em discussão na Assembleia da República meses – largos meses. Entre os temas mais sonantes que se arrastarão para a próxima sessão legislativa estão a descentralização, a morte assistida, a transparência, o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, a regulamentação de plataformas como a Uber, o alojamento local, mudanças na lei da nacionalidade e nas leis eleitorais.

Mas há outros assuntos contemplados em projectos de lei ou de resolução entregues há muito tempo e que ou não foram sequer discutidos ou que, depois do debate em plenário, baixaram às comissões sem votação e que deverão continuar a encher os corredores e a aparecer nos debates quinzenais com o primeiro-ministro, sobretudo porque não há consenso na maioria de esquerda. É o caso, por exemplo, das rendas da energia ou da redução do número de alunos por turma.

Depois do debate desta quarta-feira, os deputados voltam a reunir-se em plenário pela última vez antes das férias daqui a uma semana e espera-se uma longa lista de votações para esse dia 19, como é tradição. Até lá, há um calendário apertado nas comissões parlamentares, com discussões, votações indiciárias – na sexta-feira, por exemplo, há a do diploma para os lesados do BES – e trabalhos marcados de um dia para o outro. As comissões ainda funcionarão até dia 28, e retomam os trabalhos a 5 de Setembro – e até dia 14. Pela lei, a próxima sessão legislativa inicia-se a 15 de Setembro mas só na semana seguinte arranca o plenário (dia 18). É possível que os trabalhos venham a ser suspensos devido à campanha eleitoral para as autárquicas de dia 1 de Outubro.

Descentralização O Presidente da República pressionou, o ministro-adjunto pressionou, mas o líder da bancada do PS veio há dias reconhecer o óbvio: não há condições para terminar o processo antes do Verão. Os socialistas precisam dos sociais-democratas para o processo e estes têm criticado a demora do Governo na entrega das propostas de regulamentação sectoriais (como a saúde, educação, transportes), recusando cheques em branco ao executivo.

Morte assistida O tema tem estado sempre presente desde o início desta legislatura. No ano passado porque se criou um grupo de trabalho para analisar a temática sob a vertente da permissão por causa de uma petição nesse sentido; este ano porque o Bloco apresentou em Fevereiro um anteprojecto, porque o PAN entregou já a sua proposta de regulamentação do acesso à morte medicamente assistida e porque está em análise, num novo grupo de trabalho criado em Abril, uma outra petição em defesa da dignidade da vida e contra a eutanásia. O CDS entregou há dias uma proposta para valorizar os direitos dos doentes em fim de vida. O elevado grau de sensibilidade do tema fará com que a discussão se prolongue durante 2018.

Transparência São cerca de duas dezenas de propostas de quase todos os partidos, que vão do enriquecimento ilícito ao estatuto e impedimentos dos deputados, que levaram a que se criasse uma comissão própria para gerir o difícil trabalho de ouvir dezenas de entidades, cozinhar propostas e acertar consensos. O seu prazo inicial há muito expirou, e teve renovações sucessivas. Já funciona há um ano e três meses e está longe de chegar ao fim.

Financiamento partidário Em Abril foi criado um grupo de trabalho sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Por se tratar de um debate em causa própria, é sempre difícil de travar. Os partidos dividem-se entre a filosofia do financiamento total pelo Estado e a de deverem ser auto-suficientes. Mas uma coisa é certa: o Estado deve aumentar o poder de escrutínio sobre as finanças partidárias, mas os instrumentos continuam em discussão.

Uber A regulamentação do transporte em veículos ligeiros alternativos ao táxi através de plataformas como a Uber e a Cabify divide a esquerda, sobretudo na questão da contingentação por município – e esse não é um tema fácil em vésperas de autárquicas. Por isso, apesar de a proposta do Governo estar no Parlamento desde Janeiro e em discussão na comissão de economia desde Março (a par da do Bloco de Esquerda), é por lá que vai continuar mais uns meses.

Alojamento local O assunto chegou ao Parlamento já em Maio pela mão de dois deputados socialistas e uma das principais medidas propostas é a de que os condomínios passem a ter uma palavra final na autorização para o alojamento local. Mas no seio do PS o assunto não é pacífico e até os dois candidatos socialistasàs câmaras de Lisboa e ao Porto estão contra. Apenas o CDS apresentou outra proposta, mas a discussão não está marcada.

Energia Bloco e PCP não querem deixar a guerra pelo fim das rendas das PPP da energia, mas têm perdido algumas batalhas. Desde Março estão na comissão de Economia projectos de resolução do PS que recomendam ao Governo a avaliação da coexistência das tarifas reguladas e liberalizadas, a estratégia para o sector energético e o investimento nas renováveis – mas não há entendimento à esquerda.

Redução do número de alunos por turma O tema é uma bandeira dos partidos à esquerda do PS, mas o partido do Governo só admite discutir e recomendar – fazer alterações ainda não. É por isso que deixou aprovar as recomendações do BE, CDS e PS ao Governo para a progressiva redução do número de alunos por turma. Mas, ao mesmo tempo, pôs na gaveta da comissão de educação, sem votação, durante seis meses as propostas de lei nesse sentido do BE, PCP e PEV e só em Outubro passado permitiu que fossem aprovadas na generalidade. No entanto, desceram para a discussão na especialidade e lá continuam sem andamento.

Caixa Geral de Depósitos A primeira comissão de inquérito, à recapitalização e gestão do banco público, já completou um ano (e não devia durar mais de 120 dias); a segunda incide sobre os processos de nomeação e demissão do ex-presidente António Domingues arrancou em Abril e tinha o mesmo prazo. Ambas prometem continuar a ser arma de arremesso político.

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