Esquadra de Alfragide com mais dois processos de investigação na IGAI

Dois dos agentes agora acusados pelo Ministério Público por agressões a jovens da Cova da Moura foram alvo de suspensão por 90 e 70 dias, mas recorreram e continuam no activo. Ficou provada pela IGAI a falsificação do auto de notícia e o disparo de tiros na perna de uma das vítimas.

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Nuno Ferreira Santos

A Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) tem dois inquéritos a decorrer à esquadra de Alfragide onde 18 agentes da PSP estão acusados pelo Ministério Público (MP) da prática de vários crimes como falsificação de documento agravado, tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, com a agravante terem tido motivações racistas e xenófobas. A acusação do MP envolve a esquadra toda, algo que nunca aconteceu, afirmou ao PÚBLICO inspectora-geral Margarida Blasco.

Os processos de "natureza inspectiva" foram abertos por “indícios de irregularidades”, segundo Margarida Blasco em entrevista ao PÚBLICO, estão em sigilo e são autónomos dos que deram origem à acusação do MP divulgada nesta segunda-feira à noite pelo jornal Diário de Notícias.

Os seis jovens da Cova da Moura foram primeiro acusados pela PSP de “tentativa de invasão da esquadra” a 5 de Fevereiro de 2015. Dias depois, vários dos jovens, entre eles membros da direcção da Associação Moinho da Juventude (Prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República), contaram ao PÚBLICO que tinham sido vítimas de violência e ofensas racistas. “Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer”, relataram. Também contaram que ouviram da boca dos agentes frases como: “Vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos exterminados."

Ao PÚBLICO, a inspectora-geral disse nesta terça-feira que no âmbito desse caso a IGAI instaurou nove processos disciplinares aos agentes da PSP da esquadra de Alfragide, sendo que em apenas duas situações houve sanções – e estas não se efectivaram porque os agentes interpuseram recurso.

A sanção aplicada a um dos agentes foi suspensão por 90 dias e, a outro, suspensão por 70 dias e afastamento da esquadra. “Ficou provada a falsificação de auto de notícia com a concordância do chefe de esquadra”, o facto de terem sido “prestadas falsas declarações perante o juiz”, e ainda os tiros na perna de um dos jovens, adiantou Margarida Blasco. Segundo o regulamento da PSP, o máximo de dias de suspensão de um agente são 240 dias, acrescentou. Foram arquivadas as acusações a sete dos nove agentes.

Confrontada com o despacho do MP que agora acusa o dobro dos agentes que a IGAI na altura indiciou com processos disciplinares, Margarida Blasco recusa a ideia de a IGAI não ter cumprido o seu papel: “Estamos perante processos diferentes. No processo disciplinar foram deduzidas acusações, e a dois [agentes] foram propostas penas. Neste processo -crime [do MP] ainda estamos na fase da acusação. Não é comparável a tramitação processual”, afirmou.

A inspectora não quis fazer comentários sobre a acusação do MP. “Mas como magistrada, defendo um princípio de direito que é a presunção da inocência. No final falaremos”, concluiu. Também remeteu para a Direcção-Geral da PSP a questão sobre se, face à acusação, os agentes continuarão em funções na esquadra. O PÚBLICO aguarda resposta da PSP. 

Racismo na polícia?

Na entrevista ao PÚBLICO, Margarida Blasco recusou a ideia de que exista racismo nas forças policiais portuguesas. “Quando existem indícios, abrimos de imediato um processo. Podem existir manifestações pontuais em que há vários tipos de [discriminações] mas são mínimas face às forças dos serviços de segurança. Temos acompanhado todas as situações que são do nosso conhecimento.”

Em 2016, segundo o relatório de actividades da IGAI, houve 730 queixas contra agentes das forças de segurança (PSP, GNR, SEF), mais 13 do que no ano anterior. Dessas, a maioria – 255 – foi por ofensa à integridade física, sendo as práticas discriminatórias o terceiro maior motivo de queixa com um total de 137. “Tudo o que tem de ser feito, é feito. Mesmo só com um caso investigamos”, concluiu.

Esta terça-feira de manhã, Flávio Almada, um dos jovens da direcção do Moinho da Juventude que foi agredido, disse que ainda não tinha tido acesso à acusação do MP. Afirmou: "É um bom começo, mas é preciso esperar pelo julgamento terminar."

Já Lúcia Gomes, advogada dos seis jovens, disse ao PUBLICO que a decisão vai “fazer história”. “Este assumir, de uma esquadra inteira, tão óbvio daquilo que aconteceu e da motivação, nomeadamente da discriminação racial, é muito importante. Assume a existência de racismo nas instituições policiais, contradiz todas as versões oficiais que foram apresentadas à data, nomeadamente da direcção nacional da PSP e da própria IGAI."

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