Adoro o cheiro a enxofre logo pela manhã

Peço imensa desculpa, mas aquilo que se sabe até ao momento acerca das viagens ao Europeu pagas pela Galp não faz qualquer espécie de sentido.

Depois da demissão de três secretários de Estado por motivos misteriosos pergunto-me se não estaremos a assistir a um remake da lenda do Dr. Fausto, protagonizado pelo muito nosso Dr. Costa. Depois de Pedrógão, Tancos e Galpgate em apenas três semanas, confesso-me predisposto a dedicar-me ao paranormal e a assinar contrato com o bruxo Nhaga. Imaginem: talvez Pedro Passos Coelho tivesse razão. Talvez o Diabo tenha efectivamente vindo em Outubro de 2015 para levar o derrotado líder do PS para o cemitério dos políticos falhados. Só que o Dr. Costa, exímio negociador, conseguiu assinar um pacto sulfúrico para se tornar primeiro-ministro. Durante ano e meio tudo correu tão bem que parecia mentira. Até que a 17 de Junho de 2017, o Dr. Costa falhou a sua primeira prestação e entrou em incumprimento perante Mefistófeles: tudo o que parecia correr milagrosamente bem passou a correr diabolicamente mal. Não foi só mal – foi incompreensivelmente mal.

Olhemos com atenção para o caso dos três secretários de Estado que apresentaram a sua demissão. Peço imensa desculpa, mas aquilo que se sabe até ao momento acerca das viagens ao Europeu pagas pela Galp não faz qualquer espécie de sentido. Das duas, uma: ou Ministério Público não tem nada que fazer na vida e resolveu embirrar com governantes, descobrindo subitamente que uma prática generalizada há décadas afinal é um grave crime; ou então aquilo que foi contado até ao momento por jornais, arguidos e Procuradoria-Geral da República é uma explicação escandalosamente curta para toda esta história.

Segundo o comunicado da PGR, estamos a falar de factos “susceptíveis de integrarem a prática de crimes de recebimento indevido de vantagem”, relacionados com o “pagamento pela Galp Energia de viagens, refeições e bilhetes para diversos jogos da selecção nacional no Campeonato Europeu de Futebol de 2016”. Ninguém tem dúvidas, imagino eu, que secretários de Estado aceitarem viagens de uma empresa privada seja uma vergonha, desde logo pelos conflitos que a Galp tem tido com o Estado, em geral, e com o fisco, em particular. Mas entre ser uma vergonha e ser um crime vai certa distância, até porque o artigo 372º do Código Penal iliba da prática criminal “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”. Um governante aceitar viagens para ir à bola é adequado? Não. Mas, como poderá testemunhar qualquer político, jornalista ou empresário com um módico de relevância, trata-se de uma prática generalizada, e por isso mais do que conforme ao usos e costumes. À pala das grandes empresas e dos patrocinadores da selecção já viajaram milhares e milhares de portugueses por esse mundo fora. Se é crime, comecem a construir novas prisões.

A Galp, em Agosto, enviou uma nota às redacções onde garantia que todos os governantes tinham viajado “de forma aberta e transparente, num voo charter de acesso generalizado, sem qualquer segredo ou tratamento diferenciado, partindo e regressando no próprio dia do jogo”. A ser verdade, e a ser só isto, não se percebe o avançar de um processo criminal – só que também não se percebem a razões porque os chefes de gabinete foram constituídos arguidos. O segredo de justiça é uma coisa muito linda, mas nestas alturas convinha alguém dar explicações mínimas, para o povo não ficar a matutar porque é que há uns governantes que não se demitem por razões que ninguém percebe, enquanto há outros que se demitem por razões que ninguém explica.

Sugerir correcção
Ler 62 comentários