Preto-amarelo, Jamaica, semáforo: as coloridas coligações possíveis na Alemanha

Será que depois de Setembro o país terá uma coligação de três partidos?

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FABRIZIO BENSCH /REUTERS

Durante décadas, a Alemanha viveu em alternância de duas coligações. Será que as combinações clássicas de preto-amarelo ou vermelho-amarelo, e mais tarde o vermelho-verde, vão dar lugar a algo diferente? A fragmentação do voto faz com que um Governo com três partidos seja cada vez mais uma possibilidade a ter em conta depois das eleições de 24 de Setembro. Um guia para as combinações de cores dos partidos alemães.

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Preto-amarelo

É a coligação entre a União Democrata Cristã (CDU) e o seu gémeo-bávaro União Social Cristã (CSU), que usam a cor preta, e o Partido Liberal Democrata (FDP) liberais, conhecido pela cor amarela. A combinação conservadores-liberais foi a que mais frequentemente esteve no poder na Alemanha: houve já dez governos preto-amarelo a nível nacional, num total de 19 anos de poder. Foi a coligação de todos os governos de Helmut Kohl e do segundo mandato de Angela Merkel.

Os liberais, que tinham na sua génese a defesa de privacidade e das liberdades individuais, transformaram-se num partido mais preocupado com a economia e visto como defendendo interesses das empresas e dos mais ricos. Quanto à CDU, a chanceler, Angela Merkel, uma improvável figura de proa de um partido conservador sendo mulher e da antiga RDA, levou o partido cada vez mais para o centro.

Segundo as sondagens, os liberais têm boas hipóteses de regressar ao Parlamento, mas não é claro se esta coligação conseguirá uma maioria.*

Vermelho-amarelo

Esta coligação, no poder em cinco governos, foi a outra face da alternância política alemã até ao final dos anos 1990 – quando quem governava era a CDU com os liberais ou os sociais-democratas com os liberais – mas parece desta vez condenada a uma expressão eleitoral que ficará muito longe de uma maioria. Os liberais, que participaram em governos durante 45 anos, estão a recuperar de terem sido pela primeira vez afastados do Bundestag (Parlamento) nas últimas eleições após uma coligação com Angela Merkel, pelo que podem ter medo de repetir a experiência.

Verde-vermelho

Em 1998, os Verdes entram pela primeira vez num Governo da Alemanha. Ainda há quem lembre o choque do executivo de Gerhard Schröder nesse ano: ministros de sapatilhas (as Nike que Joschka Fischer usou na tomada de posse estão hoje num museu). Em sete anos, Fischer passou de líder contestatário a respeitado ministro dos Negócios Estrangeiros, e os Verdes aproximaram-se do centro. Depois de terem tido uma grande subida de popularidade em 2011, o ano do desastre de Fukushima, a popularidade do partido desceu. Nestas eleições, têm-se apresentado como uma alternativa para formação de uma coligação tanto mais à esquerda como mais à direita. Mas a combinação verde-vermelho está também longe de ter uma maioria segundo as sondagens.

Preto-verde

Esta combinação nunca foi tentada a nível nacional. Estreou pela primeira vez num estado federado em Hamburgo em 2008 sem muito sucesso (o seu fim foi precipitado pela demissão do presidente da câmara da cidade-estado, que deu lugar a coligação vermelho-verde), e existe actualmente no estado federado de Baden-Württemberg, um caso particular já que são os Verdes quem tem a maioria (depois de terem governado com o SPD como parceiro minoritário no período anterior). As sondagens não mostram uma possibilidade de maioria com esta combinação e será mais provável que uma coligação envolvendo a CDU e os Verdes junte um terceiro partido…

Preto-Amarelo-Verde (“Jamaica”)

CDU, Liberais, e Verdes formariam a coligação “Jamaica”, mais uma combinação nunca tentada a nível nacional, e mesmo a nível regional apenas em estados menos relevantes, como o Sarre (2009-2012) ou, desde Junho deste ano, Schleswig-Holstein. A coligação é mais fácil para CDU e Liberais; já para os Verdes, apesar da aproximação ao centro, seria mais natural juntar-se a um Governo de esquerda.

Vermelho-Amarelo-Verde (“Semáforo”)

Uma coligação entre sociais-democratas, liberais e verdes, a chamada coligação semáforo, seria outra hipótese, mas parece menos provável. Em Março, um responsável do SPD, Carsten Schneider, dizia que esta era mesmo a melhor possibilidade para os sociais-democratas já que “as semelhanças com os Verde e Liberais são maiores”. O Partido Liberal poderia discordar, e é para este que a variante apresenta mais riscos, mas o vice-presidente, Wolfgang Kubicki, já afirmou que esta hipótese não o “deixa nervoso”. Esta coligação governou no mais pequeno estado federado do país, Bremen (uma cidade-estado) e existe actualmente na Renânia-Palatinado.

Vermelho-Verde-Vermelho (“Líbano”)

Coligações com os sociais-democratas (o primeiro vermelho) e o partido de extrema-esquerda (Die Linke, o segundo vermelho) existem a nível regional, assim como entre os dois vermelhos e os Verdes, por exemplo em Berlim e na Turíngia. É uma combinação considerada aceitável na progressista Berlim mas não a nível nacional, em que as posições da extrema-esquerda em relação por exemplo à NATO têm tornado Die Linke num parceiro considerado inaceitável pelos outros (também a relação complicada entre Die Linke e SPD, já que parte dos fundadores do segundo partido vermelho eram dissidentes do SPD, tem aqui alguma importância). No passado, Die Linke deu apoio a governos minoritários SPD-Verdes a nível regional (o “modelo de Magdeburgo”), mas se há cenário que os analistas políticos alemães afastam é o de um governo federal minoritário.

Preto-vermelho “Grande coligação”

É a coligação que junta os dois maiores partidos alemães e que apesar de ser uma excepção na política do país, foi a base de dois governos de Merkel, o primeiro e o actual. No entanto, na primeira coligação a diferença eleitoral entre CDU e SPD não foi tão pronunciada como na segunda, a actual, o que deu à CDU neste Governo (2013-2017) a primazia na definição de prioridades - a maior concessão ao SPD foi a criação de um salário mínimo nacional, que a Alemanha não tinha (os valores eram definidos por sector e calculados após negociações entre sindicatos e associações patronais). Mas os sociais-democratas, como parceiro minoritário, têm saído sempre destas coligações muito menos populares do que os conservadores. Uma “grande coligação” dá ainda origem a governos de consenso, programas de mínimos comuns, com menor discussão política.       

É este consenso que, dizem, dá oportunidade para a ascenção de partidos de protesto como a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, que é representado com a cor azul: por causa das suas posições racistas e xenófobas, é um partido com quem ninguém considera aliar-se.     

 

*****Nota: O complexo sistema eleitoral alemão (tão complicado que se diz que nem os alemães o percebem) atribui dois votos a cada eleitor: um voto é para um candidato, outro para um partido. Assim, em certos casos, há deputados eleitos apenas pelo primeiro voto (eleitos directamente) que não seriam eleitos pelo segundo (a lista do partido) num dado círculo eleitoral. Estes deputados entram assim para o Parlamento, somado aos deputados já eleitos pela lista partidária. Como assim esse partido ganha lugares a mais, os outros partidos com deputados eleitos no mesmo círculo têm direito ao mesmo número de deputados extra: é o modo de manter a proporção da votação dos partidos. Por isso, o Parlamento alemão tem composições variáveis, daí ser impossível definir uma “meta” mínima fixa de deputados para uma maioria. O número base é de 598; actualmente o Bundestag tem 630 deputados. Peritos dizem que com este método de compensação, em vigor desde 2013, o Parlamento poderá chegar aos 800 lugares.

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