Daesh perdeu Mossul, uma cidade em ruínas

Últimos combates ainda decorriam quando chefe do Governo chegou para celebrar a "vitória" sobre os jihadistas. ONU calcula que sejam precisos mil milhões de dólares para reparar infra-estruturas básicas.

Foto
Grande parte de Mossul está em ruínas após meses de combates Alaa Al-Marjani/Reuters

Ainda se ouviam sons de explosões e combates quando o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, aterrou este domingo em Mossul para celebrar a vitória sobre o Daesh naquela que já foi a segunda maior cidade do país e é agora, em grande parte, uma ruína a céu aberto, minada, destruída, pejada de cadáveres por recolher. A reconquista permite ao Exército iraquiano vingar a humilhante derrota de 2014, mas a luta contra os jihadistas está longe do fim e há uma crise humanitária que exige uma resposta rápida.

As últimas semanas da ofensiva, iniciada em Outubro, foram as mais difíceis, com centenas de combatentes entrincheirados nas vielas do centro histórico, na margem ocidental do Tigre, mantendo milhares de civis encurralados e recorrendo a tudo – snipers, carros armadilhados e bombistas suicidas – para adiar a derrota.

“Estou há 40 anos no Exército e participei em todas as batalhas do Iraque, mas nunca vi nada como a batalha pela Cidade Velha”, disse aos enviados do New York Times o general Sami al-Aradi, comandante das forças especiais no terreno. “Tivemos de lutar por cada metro e quando digo cada metro estou a falar literalmente.” Comandantes dos EUA que estão no terreno a aconselhar o Exército iraquiano disseram ao jornal que esta terá sido “uma das batalhas urbanas mais duras desde o final da II Guerra Mundial”.

O balanço é, por isso, pesado. Em Março, quando mais de 700 soldados já tinham morrido, Bagdad deixou de revelar as suas baixas. Mas o Pentágono, num documento citado pela Reuters, calculava que só o Serviço de Contra-Terrorismo, a força de elite do Ministério do Interior que liderou os avanços, terá perdido 40% dos seus homens.

O número de civis mortos (às mãos dos jihadistas, nos ataques aéreos ou no fogo cruzado) será muito maior e soma-se aos cerca de 900 mil que deixaram as suas casas desde Junho de 2014, quando em poucas horas do Daesh se apoderou da cidade com os militares a baterem em retirada. Desde Janeiro, quando a metade Leste de Mossul reconquistada, milhares de pessoas começaram a regressar, mas a enorme destruição nos bairros a oeste do rio irá impedir um regresso rápido da maior parte dos deslocados – há dezenas de milhares de casas destruídas e a ONU calcula que sejam necessários mil milhões de dólares só para repor as infra-estruturas da cidade.

Abadi, que chegou ao poder depois de os avanços do Daesh terem forçado a saída de cena do ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki, foi a Mossul sobretudo para celebrar “a grande vitória do povo iraquiano” e a “coragem dos combatentes heróicos”. Encontrou-se com os comandantes militares e percorreu a pé algumas ruas da cidade, mas só iria proclamar oficialmente a vitória quando todas as operações estivessem terminadas – um comandante na frente disse ao Le Monde que ainda estariam cerca de 700 jihadistas num pequeno quarteirão junto ao Tigre.

Perdendo Mossul, onde Abu Bakr al-Baghdadi proclamou o seu “califado”, o Daesh fica sem aquela que era a maior cidade sob o seu controlo, na mesma altura em que forças apoiadas pelos EUA cercam Raqqa, a sua capital no Norte da Síria. Mas os jihadistas controlam ainda cinco cidades iraquianas, além de vastas faixas de território. Com o “califado” a encolher, espera-se que os radicais, muitos dos quais conseguiram fugir camuflando-se entre os civis, intensifiquem os ataques terroristas, a começar por Mossul. Zuhair al-Jibouri, representante do governo local ouvido pelo NY Times, não esconde o medo: “Sabia que a maioria deles cortaram as barbas, mudaram de roupas e andam agora livres por aí?”. 

Sugerir correcção
Ler 12 comentários