“Depois de ser quinto nos Jogos do Rio, não quero ser quarto em Tóquio”

Quase a completar um ano sobre a promissora estreia olímpica, com um quinto lugar no Rio de Janeiro, João Pereira, triatleta português, celebrou a conquista de dois títulos de campeão europeu, nas distâncias olímpica e sprint.

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João Pereira Nuno Ferreira Santos
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Uma demonstração de força, um momento de forma triunfal ou, como João Pereira simplesmente lhe chamou, “uma semana produtiva”. A fechar Junho, e no período de sete dias, o triatleta português sagrou-se campeão europeu de triatlo na distância olímpica (1,5km a nadar, 40km de bicicleta e 10km a correr) e sprint (750m a nadar, 20km de bicicleta e 5km a correr). Um feito no qual não acreditaria há uns anos, mas que se tornou possível graças à dedicação completa à modalidade e a uma mentalidade competitiva. “Congelei a matrícula em Ciências do Desporto, mas o próximo passo será voltar aos estudos. Sou uma pessoa bastante competitiva. Por exemplo, não gosto de jogar às cartas, não gosto de jogos que não domino completamente porque não gosto muito de perder”, confessou em entrevista ao PÚBLICO.

Era um objectivo ser campeão da Europa nas duas distâncias?
Se há três ou quatro anos me dissessem que o meu percurso passava por conseguir dois títulos europeus na mesma semana não acreditava. Mas com a minha evolução e todo o treino envolvido, comecei a ver que era possível. O objectivo é sempre fazer o melhor possível e, depois de ganhar a primeira prova, vi que estava num momento bom de forma.

As vitórias foram ao sprint, por poucos segundos.
Sim, foram provas muito tácticas, onde a corrida foi sempre bastante compacta. Estávamos cinco ou seis juntos nos metros finais e eu tiro daí um pouco de vantagem porque sou um atleta bastante rápido em sprint. Também estudei bem os percursos e sabia exactamente onde podia atacar.

A concorrência era muito forte?
Havia atletas bastante bons, que eu no ano passado considerava adversários de peso. Eu não era um favorito a ganhar, era um favorito a fazer "top-5" ou "top-10".

O João Silva também esteve no pódio e o Vasco Vilaça foi campeão júnior. Pode falar-se de Portugal como uma potência do triatlo, pelo menos a nível europeu?
No sector masculino estamos bastante desenvolvidos. E, com o reaparecimento da Vanessa Fernandes e a Melanie Santos a evoluir, podemos tornar-nos numa potência em termos globais. Está a ser feita uma aposta muito correcta e efectiva no triatlo, e os resultados continuam a aparecer. Não é um fenómeno isolado, é um trabalho de vários anos.

O duplo título europeu é histórico. Já deu para interiorizar a dimensão deste feito?
Não tive muito tempo para parar e pensar. Eu não vivo muito os resultados, sejam bons ou maus. Senão, numas alturas andava eufórico e a sentir-me o melhor do mundo, e noutras andava muito em baixo. No mundo competitivo é mesmo assim, não dá para ganhar sempre. Mas este resultado é fruto de muito trabalho e dedicação. Parecia que mo estavam a dever por todo o empenho que tenho tido (risos).

A estreia olímpica foi prometedora, com o quinto lugar no Rio de Janeiro. Agora estes dois títulos europeus tornam-no favorito para Tóquio 2020?
Sim, pelo menos para os portugueses e para as pessoas que seguem desporto não tenho dúvida que sou um favorito às medalhas. Mas acho que se pensarmos friamente, se virmos o investimento que é feito noutros países... basta fazer uma comparação de verbas que se percebe logo que não estamos a lutar por um pódio, estamos a lutar por um "top-20". Temos algumas lacunas. A nossa sorte, apesar de tudo, é que trabalhamos com muito bons profissionais e fazem parecer que as nossas condições são melhores.

Há quase um ano, no Rio de Janeiro, falava de uma “mochila de dez anos de trabalho” por causa do apuramento falhado para Londres 2012. A “mochila” para Tóquio está mais ou menos pesada?
A mochila ficou completamente de lado. Estive a trabalhar para um objectivo e não estive em Londres por pouco. Uma presença nos Jogos Olímpicos tornou-se importante quando os falhei em 2012. Essa mochila está arrumada. Com o quinto lugar, a nove segundos das medalhas, sinto-me completamente realizado. Se já não fizer outra participação, ou se fizer outra participação que não seja tão boa, consigo viver bem comigo. Mas, depois de ser quinto nos Jogos do Rio, o meu objectivo é tentar melhorar o resultado. E quarto eu não quero ser. (risos)

Havia alguma ansiedade antes da estreia nos Jogos?
Depois de ter falhado esse objectivo tão grande, por tão pouco, pensei: a minha presença tem de passar por lá. O meu medo era se no dia anterior se passava qualquer coisa e eu não conseguia alinhar. Mas acho que mesmo com uma perna partida ou qualquer coisa eu não dizia a ninguém e ia lá à mesma (risos). Quando cheguei à partida, faltava um minuto, senti: este objectivo está alcançado, tudo o que vier é acréscimo. E é o mesmo para Tóquio: tudo o que vier já é acréscimo. Já me sinto super realizado com toda a minha carreira. Os meus resultados não são só meus, resultam do envolvimento de muitas pessoas e entidades. Eu, no fundo, sou a pessoa que corre, pedala e nada e tenta fazer isso o mais rápido possível.

A seguir à prova no Rio de Janeiro falava da falta de investimento no Centro de Alto Rendimento (CAR) do Jamor. Houve novidades desde então?
Se tivesse conseguido uma medalha talvez essas palavras não tivessem caído tanto em saco roto. Mas não é uma desculpa – pode-se ter tudo e não alcançar os resultados. Não houve grandes mudanças. A nossa pista de atletismo está como estava, ou está pior porque tem mais uso. Não foi feito um investimento nos banhos de crioterapia. Não foi criada uma passadeira anti-gravitacional. Também não nos podemos fazer de coitados, mas há coisas que são básicas. Mesmo falando do conforto do CAR, não estão cá os melhores atletas portugueses. Os quartos são pequenos e estão desactualizados. Eu tenho um casa que aluguei aqui ao lado e o CAR funciona basicamente como um sítio onde tenho o meu equipamento e material todo, para estar mais desanuviado em casa. Passo por aqui o meu dia e à noite vou para casa.

Como chegou ao triatlo?
Fui descoberto bastante tarde, estava no 12.º ano. Educação Física ainda contava para a média e era uma disciplina na qual tinha bastante facilidade. Dei de mim, porque precisava da média para ir para a faculdade, e o meu professor ficou impressionado com os resultados e apresentou-me a um treinador de triatlo. Não gostava minimamente de competição, nem costumava fazer os corta-matos escolares. Nunca fiz nenhuma modalidade federada, costumava nadar na praia, andava muito de BTT e fazia tudo o que era desportos aquáticos, mas pela diversão.

A primeira experiência foi aos 18 anos?
Sim, em Quarteira. Até foi uma prova que acabei por fazer bem, fui 16.º se não me engano. Os primeiros anos foram bastante complicados, vim para o CAR e lembro-me que o treino normal eram 60km de bicicleta. Eu nunca tinha pedalado 60km e fazíamos isso três vezes por semana. (risos) Andávamos aí pelas estradas e eu, como não era de Lisboa, estava sempre a ver se não descolava para não ficar sozinho. Ainda não se usava tanto o GPS como agora e ficar sozinho era sinal que estava perdido em Lisboa. Depois do primeiro ano nem a faculdade nem o treino estavam a correr-me bem. Pensei em desistir, mas tive o apoio dos meus pais e do então presidente da federação, que me disse que um ano não dava para nada, e para experimentar outro ano. E aí os resultados começaram a surgir, cada vez melhores.

A progressão foi extraordinária. O que contribuiu para isso?
Vem muito da aptidão natural, mas também da minha dedicação e competitividade. Não gosto de perder. Às vezes dizem-me que devia mudar a maneira de pensar em relação à competição e aos treinos, para não ser tão competitivo. E o que eu digo é: “Mas eu sou o quinto olímpico, achas que eu consigo ser o primeiro se mudar essa maneira de pensar?” Eu sou o que sou graças também a essa forma de pensar.

Como é uma semana típica de treino?
Numa semana bastante dura treinamos entre 37 e 40 horas semanais. Fazemos 40 a 45km de natação. Podemos chegar até aos 50km, mas é raro. Fazemos entre 350 e 450km de bicicleta. E depois corremos entre os 90 e os 100km. Tudo junto com três sessões de ginásio, três sessões de exercícios com elásticos, e muitas horas de fisioterapia e recuperação. Um dia típico numa semana dessas é acordar às 7h ou 8h, ir dar um trote em jejum de dez ou 12km. A seguir tomar o pequeno-almoço, vestir o equipamento de ciclismo e sair para pedalar às 10h30. Chegar por volta das 13h, fazer entre 70 e 90km. Almoçar, descansar um pouco à tarde. Ir nadar às 17h, a seguir fazer uma sessão de ginásio e acabar por volta das 20h, quando costumo ter massagem.

O que significou para o triatlo o regresso da Vanessa Fernandes?
Quando entrei a Vanessa estava no auge. Treinei dois anos e meio com ela e muita da minha disciplina e do meu método vem da escola dela, daquele rigor e profissionalismo. O triatlo português deve muito à Vanessa. Somos conhecidos e temos as condições que temos graças ao que ela fez no passado. Isso tem de ser reconhecido. O regresso dela é bom, mas não se pode colocar muita pressão. Passaram nove anos desde que a Vanessa foi medalha de prata [em Pequim 2008]. O mais importante é ela ser novamente competitiva e sentir-se realizada com isso.

Uma rotina tão exigente pode levar à saturação. Alguma vez sentiu algo parecido com aquilo por que ela passou?
O maior problema para mim é quando tento sair dessa rotina, porque estou habituado a um certo ritmo. Quando estou um dia sem treinar até sabe bem. Dois dias e já começo a coçar-me. Se estiver uma semana... Depois dos Jogos Olímpicos passei por essa sensação. Tinha estado oito anos a trabalhar para aquele objectivo e depois de consegui-lo senti uma sensação de vazio muito estranha. Fui-me um pouco abaixo. Fui quinto nos Jogos, já tinha os resultados que tinha, pódios em campeonatos do mundo e bons resultados europeus. E agora? Cheguei aqui, alcancei este objectivo. O quinto lugar é bom, mas não é excelente aos olhos das medalhas. Custou-me definir novos objectivos, parecia que não tinha nada para fazer. Depois de tanto tempo envolvido e com rendimento, custou-me começar novamente. Este ano tenho tido mais cuidado comigo, como pessoa. Sentia, por exemplo, que tinha coisas para resolver há oito anos, que só depois dos Jogos é que voltaram. Problemas de que, se fosse preciso, eu nem me lembrava. De início foi bastante assustador, mas também acho que foi isso que me possibilitou agora conseguir ganhar. Sinto que estou mais leve, conheço-me melhor.

O triatlo tem vindo a crescer em popularidade. O que contribui para isso?
É uma modalidade de auto-superação. Eu compito contra adversários, mas se entrasse agora para o triatlo o meu objectivo não era ganhar à pessoa que está ao meu lado, era conseguir superar-me a mim mesmo. Este tipo de provas, para quem não faz nada, à partida parece impossível de fazer. Mas a sensação de terminar compensa o trabalho todo. Passa-se muito tempo a batalhar, e depois apercebe-se: “Isto valeu a pena”. O meu quinto lugar nos Jogos Olímpicos foi um pouco isso. Tanto sofrimento, tanto dia a acordar cedo, mas cheguei aqui. Aquele momento fez tudo saber bem e relativizar as outras coisas.

Está nos seus horizontes experimentar provas mais longas?
Por agora todo o investimento que faço é na distância olímpica. Já fiz um Half Ironman (1,9km a nadar, 90km de bicicleta e 20km a correr), o Challenge Lisboa, e consegui vencer. Foi uma óptima experiência, vi que tinha bastante potencial para essa distância. Será para o futuro, porque sei que em termos de patrocínios é aí que há mais investimento, maiores orçamentos.

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