A robotização da advocacia

Atenta esta nova realidade, tão fascinante quanto perturbadora, importa antecipar os desafios de futuro, como sejam os despedimentos ou a salvaguarda do sigilo profissional.

Há muito que a ficção científica difundida embrionariamente durante a década de 80 pelas telas cinematográficas se transformou em realidade. O que era, em tempos, uma ilusão criada pela imaginação da mente humana rapidamente se afigura surpreendentemente real.

É indubitável que a robótica já irrompeu pelo ambiente laboral, subrogando-se nas tarefas de muitos trabalhadores sucumbidos às mais-valias empresariais que a aposta na robótica representa. De facto, é generalizada a concepção de que a inteligência artificial reproduzida nos robots apenas teria viabilidade se aplicada no exercício de tarefas manuais no seio de um meio laboral industrializado ou com uma produção mecanizada e estandardizada. 

Será a robótica compatível com a prática da advocacia?

O protótipo de advogados que os clientes procuram, é hoje, totalmente distinto do que era no passado. Nesta era digital e tecnologicamente evoluída os clientes ambicionam um advogado full time onde o imediatismo marca a diferença. Talvez imbuídos pela realidade do facilitismo da consulta do “Dr. Google”, quiçá influenciados pelo facto dos processos judiciais serem tendencialmente tramitados de forma electrónica, ou ainda por julgarem que as novas tecnologias são propulsionadoras de uma fácil resolução de situações. Assistimos nos dias que correm a uma pressão desmesurada por resultados, que os clientes esperam que sejam obtidos de forma instantânea e automática.

Ora, estas evidências, aliadas a outras vantagens, acabam por obrigar a que inclusão da robótica na advocacia acabe por ser alvo de ponderação. É inegável que existirá, logo à partida, um incremento no tempo útil de trabalho, atenta a possibilidade dos robots trabalharem consecutivamente um maior número de horas diárias, sem pausas ou oscilações de ritmo e concentração. Ademais, existirão, por certo, robots concebidos para analisar milhares de documentos em velocidade instantânea e com reduzido esforço, absorvendo cada palavra dos mesmos e descortinando automaticamente possíveis soluções para cada caso concreto. A somar, a inexistente retribuição ou distribuição de lucros, e estamos perante uma realidade de optimização do (grande volume de) trabalho realizado com uma inerente redução de custos que a isso se consegue associar.

Os relatos que chegam do outro lado do Atlântico (EUA), com a integração dos primeiros aparelhos robotizados a exercerem funções de advogados, levam-nos a crer que haverá futuramente lugar a uma integração da robótica nesta profissão. Foi denominado de “ROSS” o primeiro advogado-robot do mundo, desenvolvido através do computador cognitivo Watson da IBM.

Só o hardware custou aproximadamente 2,8 milhões de euros. Com características fascinantes, o ROSS consegue processar num segundo cerca de 500 GB de informação, transformando-se num meio fidedigno de consulta avançada. Arquiva na sua memória livros, legislação e jurisprudência, mantendo-a constantemente actualizada, e prestando informação em tempo real sobre alterações legislativas com influência directa em algum processo em curso. O mais impressivo, será mesmo a capacidade que o ROSS tem em aprender e desenvolver-se autonomamente em função da sua actividade, actualizando as suas respostas e soluções jurídicas.

Em Nova Iorque temos ainda outro advogado-robot. O “Do Not Pay” actua preferencialmente em Nova Iorque e tem ajudado todos aqueles que são objecto de contraordenações rodoviárias. Terá ganho 160 mil processos judiciais. 

São inúmeras as vantagens da máquina de inteligência artificial. A proliferação da robótica de inteligência artificial ganha terreno na área da assessoria legal deixando ainda de fora o puro contencioso judicial. Tarefas predominantemente manuais, padronizadas, sem qualquer laivo de intelectualidade ou necessidade de adaptação às circunstâncias poderão ser facilmente executáveis pela robótica. Todavia, a advocacia é muito mais do que isso… É uma profissão cuja prática é marcada pela existência de uma empatia constante na relação advogado-cliente, com inesgotável carência de um toque humano essencial para a sua prática, lacuna que dificilmente a robótica algum dia será capaz de preencher.

Acontece que, em paralelo, muitas questões de foro deontológico relacionadas com o exercício da profissão se erigem. A advocacia, enquanto profissão marcada pela prossecução do interesse público, sustenta esse mesmo carácter em vários princípios deontológicos essenciais que devem ser absolutamente honrados no exercício do mandato forense.

Atenta esta nova realidade, tão fascinante quanto perturbadora, importa antecipar os desafios de futuro, como sejam os despedimentos ou a salvaguarda do sigilo profissional.  

Um advogado deve possuir plena autonomia técnica, a qual acabaria esvaziada pela programação a que um robot seria naturalmente sujeito, ficando inóspito da isenção e independência necessária ao exercício da profissão, as quais constituem pilares fundamentais da deontologia dos advogados.

Com efeito, deve existir uma ausência de qualquer ingerência susceptível de influenciar ou condicionar a actuação do advogado, sob pena de serem afectados outros tantos normativos deontológicos, tais como a obrigação de conceder opinião conscienciosa ao cliente sobre o merecimento da sua pretensão, ou ainda prestar um aconselhamento equitativo e justo.

A verdade é que o impacto da robótica no trabalho já não é um tema de ficção científica. Cada dia que passa é actual e se vai introduzindo no nosso quotidiano.

Em suma, levantam-se mais incógnitas do que certezas. Interrogações, provavelmente, a que ninguém conseguirá ainda dar uma resposta simples, assertiva e correcta na defessa dos interesses da sociedade e da própria advocacia.

Labour2030 – Rethinking the future of work. É aqui, naquele que se antevê que seja um congresso onde irão ser suscitadas e debatidas estas (e muitas outras) temáticas. Entre mais de 150 congressistas de mais de 20 nacionalidades, procurar-se-á encontrar algumas respostas para os nossos anseios, e onde, em conjunto, repensaremos todo aquele que será o futuro do trabalho e também o da própria advocacia.

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