G20 deixou Trump sozinho na oposição ao Acordo de Paris

Cimeira de Hamburgo marcada por fortes divergências entre EUA e os restantes 19 membros no combate às alterações climáticas e na defesa do comércio livre. Negociações arrastaram-se noite dentro e foram "extremamente difíceis", diz Merkel.

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Merkel considerou "deplorável" a decisão americana de abandonar o acordo de Paris Clemens Bilan/EPA

O comunicado que encerrou a cimeira do G20 em Hamburgo mostra que, por muito que a diplomacia faça, há um antes e um depois de 20 de Janeiro, o dia em que Donald Trump chegou à Casa Branca. Ao invés de liderarem a agenda das discussões, os Estados Unidos foram força de bloqueio e o texto final sublinha o isolamento do país numa das grandes questões da actualidade – deixando Washington a falar sozinho, os restantes 19 membros afirmam que o Acordo de Paris para o combate às alterações climáticas é “irreversível” e deve ser posto em prática o quanto antes.

“É muito claro que não conseguimos chegar a um consenso, mas as diferenças não foram escondidas, estão manifestadas de forma clara”, disse a chanceler alemã, Angela Merkel, que desde o início da cimeira mostrou que a sua estratégia não passava pela confrontação com os EUA (um aliado que continua a considerar essencial), mas também não iria omitir os desacordos.

E não foi só no clima que os tradicionais aliados se desentenderam. Na conferência de imprensa final, Merkel admitiu que as discussões sobre o comércio internacional “foram extremamente difíceis” por causa das posições especificadas adoptadas pelos EUA”, sobretudo na questão do aço. O Presidente norte-americano, que tem como lema “a América primeiro”, queixa-se que a siderurgia americana enfrenta uma concorrência desleal e ameaça impor tarifas punitivas às importações de outros países. Sexta-feira o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, avisou que se isso acontecer a UE vai retaliar em pouco tempo, desatando uma guerra comercial.

Estes desentendimentos foram limados no comunicado final, em que os líderes das 20 grandes economias se comprometem uma vez mais a “combater o proteccionismo, incluindo as práticas comerciais injustas”, ainda que reconhecendo o direito dos Estados a adoptar “instrumentos legítimos de defesa” dos seus interesses.  

Foi, no entanto, impossível tapar o fosso que separa os EUA dos restantes membros no combate às alterações climáticas – intransponível desde que, a 1 de Junho, Trump anunciou que o país iria desvincular-se do Acordo de Paris, assinado por 193 que se comprometeram a reduziram as emissões de gases de efeito de estufa. Foram precisas longas horas de negociações, para que Washington aceitasse o documento, que além de “tomar nota” da saída americana incluiu uma referência aos combustíveis fósseis, com os EUA a afirmarem que querem ajudar outros países a “ter acesso e a usá-los de forma mais limpa e eficiente”.

Mas se no início da reunião se temia que a Arábia Saudita ou a Indonésia estivessem tentados a seguir o exemplo americano, Merkel conseguiu uma vitória diplomática ao conseguir que todos os restantes participantes reconhecessem que não há recuo possível. Aproveitando o embalo, o Presidente francês anunciou que irá organizar uma cimeira em Paris a 12 de Dezembro, no 2º aniversário da assinatura do acordo, para discutir medidas adicionais às já previstas. E, ao contrário de Merkel, Emmanuel Macron afirma que ainda não desistiu de convencer Trump a recuar. “Acho que é o meu dever”, afirmou.

Reunião "tremenda"

Trump, como escrevia o New York Times, não parece incomodado com o isolamento. “Você é maravilhosa e fez um trabalho fantástico”, disse à chanceler alemã antes de deixar Hamburgo. Os analistas concordam que, apesar das divergências com os aliados, a reunião decorreu como a Casa Branca planeara, sobretudo o seu primeiro encontro com o Presidente russo, Vladimir Putin, que Trump descreveu apenas como “tremendo”.

O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, assegurou que Trump pressionou Putin sobre a alegada interferência russa na campanha presidencial, sem revelar se as respostas foram consideradas convincentes. Ontem foi a vez de Putin apresentar a sua versão, dizendo acreditar que o homólogo americano ficou convencido com as garantias que lhe deu. Disse também que os dois conseguiram estabelecer “uma relação de trabalho” e que o cessar-fogo que acordaram para o Sudoeste da Síria só foi possível porque os EUA estão a adoptar uma “posição mais pragmática”.

Antes de deixar Hamburgo – onde durante a noite a polícia voltou a defrontar grupos de manifestantes violentos, que incendiaram carros e saquearam lojas – Trump encontrou-se com o Presidente chinês, dias depois de a Coreia do Norte ter testado com sucesso o seu primeiro míssil de longo alcance. Abandonando a retórica dos últimos dias, saudou os esforços de Xi Jinping e disse acreditar que Pyongyang irá recuar – “Pode demorar mais do que eu ou você desejávamos, mas vamos ser bem-sucedidos de uma maneira ou de outra”. Xi respondeu-lhe que para além “das respostas necessárias” ao lançamento é crucial promover o diálogo. 

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