BE quer ouvir secretária de Estado sobre acesso dos mais carenciados a creches e lares

Na sequência de uma notícia do PÚBLICO, que dava conta de que creches financiadas pelo Estado podem admitir só crianças ricas, o BE quer saber se os cidadãos com menos possibilidades financeiras estão a ser preteridos por quem pode pagar.

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Miguel Manso

O Bloco de Esquerda (BE) quer ouvir a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, na Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social. O objectivo é ver esclarecidas as regras dos acordos de cooperação com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) para garantir o acesso dos cidadãos mais carenciados às respostas sociais financiadas pelo Estado.

No requerimento apresentado na Assembleia da República, o BE afirma que existem IPSS que recebem apoio do Estado “mas não cumprem este desígnio, privilegiando o acesso de pessoas mais ricas, violando princípios básicos de justiça social, transformando num negócio lucrativo aquilo que deveria ser uma resposta social, ou oferecendo respostas em que os direitos dos utentes e a qualidade dos serviços não se encontram plenamente verificadas”.

“O modelo de cooperação que está em vigência consiste na transferência para as IPSS, por parte do Estado, de um valor fixo mensal por utente, valor que é depois multiplicado pelo número de utentes com acordo. É à instituição, e apenas a esta, que cabe a responsabilidade de promover o acesso dos cidadãos mais vulneráveis e mais desprotegidos, bem como a determinação dos montantes de comparticipação familiar. Ora, como tem vindo a público, a ausência de regras explícitas nos acordos de cooperação tem permitido práticas inaceitáveis por parte de IPSS que recebem apoios do Estado”, acrescenta o documento assinado pelo deputado José Soeiro.

Não há quotas por escalão de rendimentos

O PÚBLICO noticiou no mês passado existirem casos de grandes discrepâncias nas verbas cobradas pelas IPSS nas suas creches. É o caso da Cáritas, em que uma criança pobre que frequente a creche de Lisboa paga quase o triplo do que pagaria se frequentasse uma das creches da Cáritas de Coimbra, ou de muitas outras das IPSS espalhadas pelo país.

No mesmo artigo, o PÚBLICO dava conta das respostas do Instituto da Segurança Social (ISS) quanto a esta realidade: o instituto confirma que as instituições não estão sujeitas a quaisquer quotas que as obriguem a aceitar determinadas percentagens de utentes de cada escalão de rendimentos, nomeadamente de famílias mais pobres.

Mas a creche da Cáritas de Lisboa não é um caso isolado. A existência de enormes disparidades nas mensalidades exigidas aos utentes dos diversos equipamentos das IPSS, incluindo creches e lares de idosos, é uma das marcas da chamada rede solidária. E, no entanto, todas as instituições que a compõem e têm acordos de cooperação com a Segurança Social, cerca de 4500, recebem o mesmo subsídio por cada utente dos seus estabelecimentos.

No caso dos lares de idosos, o BE diz ser “o próprio presidente da União das Misericórdias Portuguesas quem assume que idosos mais ricos passam à frente de idosos mais pobres no acesso a estas respostas sociais comparticipadas pelo Estado: "Sim, isso acontece, porque actualmente é a única forma possível de algumas Misericórdias terem os idosos menos dotados financeiramente”, cita o BE.

No caso das creches, acrescenta, “o problema parece ser ainda mais grave”. “Sendo a única limitação legal para determinar os montantes a pagar pelas famílias o custo médio real do serviço prestado, nada impede, legalmente, que uma IPSS cobre às famílias a totalidade das despesas que tem com os utentes e receba ainda um subsídio mensal do Estado de 259 euros por criança, obtendo, assim, receitas superiores ao custo real dos serviços que oferece à comunidade.”

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