Caos e ordem

Ao segundo volume em colaboração, o contrabaixista João Hasselberg e o guitarrista Pedro Branco aventuram-se em terrenos mais arriscados.

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Hasselberg e Branco não se repetem, dão mais um passo em frente — que nunca se deixa adivinhar

Com o disco Dancing Our Way to Death, editado no final do ano passado, o contrabaixista João Hasselberg e o guitarrista Pedro Branco iniciaram uma parceria auspiciosa. O disco de estreia reunia um conjunto de composições sedutoras, entre o jazz e a folk, ornamentadas com arranjos irrepreensíveis e a participação de meia dúzia de convidados (escolhidos a dedo). Neste segundo volume, editado na imparável Clean Feed, a dupla dedica-se a explorar terrenos mais arriscados.

Agora há menos melodias sedosas, há mais rugosidade e sobra mais espaço aberto para a improvisação. Sente-se de forma mais clara o trabalho de pesquisa, desde o tema inaugural. Em One for Debord juntam-se ao duo a guitarra de Afonso Pais e o piano de João Paulo Esteves da Silva, abrindo o disco em dissonância, todos à procura de um caminho. Na melancólica Sisyphus back pain (note-se o sentido de humor de alguns títulos), o piano de Luís Figueiredo vai pingando notas de forma repetida, enquanto se assiste a uma subtil desconstrução em fundo.

O contrabaixo de Hasselberg e a guitarra de Branco já haviam revelado a sua solidez técnica, neste disco apenas o confirmam mais uma vez. Dialogam, entrelaçam ritmo e melodia. Individualmente, entre os convidados, o elemento que mais se destaca é o saxofonista catalão Albert Cirera (não participou no primeiro álbum), que enche com labaredas dois dos momentos mais marcantes no disco. Basquiat’s Moses, sempre em tensão contínua, só peca pela brevidade, terminando num fade out demasiado precoce. Já na penúltima, I would prefer not to, o saxofone alimenta o contraste com a guitarra de Branco, que insiste num mesmo motivo, sempre repetido como se fosse loop.

A fechar há Absolutely overwhelming revelation, com a dupla a construir um subtil tapete sonoro para uma gravação de George Steiner, que evoca uma deliciosa recordação de infância. Tal como no disco de estreia, também ao segundo disco a dupla volta a surpreender. Hasselberg e Branco não se repetem, dão mais um passo em frente, com uma música que nunca se deixa adivinhar. Agora ela não é só bela, emotiva e aveludada, também tem espinhos. E isso é muito bom.

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