A Venezuela a caminho da ditadura

Trata-se de um regime que tem vindo a comprimir as liberdades públicas e a promover a pobreza.

1. Enquanto em Lisboa um grupo de comunistas mascarados de membros de um há muito descredibilizado Conselho Português para a Paz e a Cooperação saudavam o patético regime venezuelano, em Caracas, milícias armadas ao serviço de Nicolás Maduro e da súcia que o acompanha invadiam o Parlamento e agrediam violentamente vários deputados que integram a maioria parlamentar que se opõe às tendências despóticas cada vez mais evidentes no poder daquele país.

Os intrépidos comunistas de Lisboa que, ao que parece, estavam acompanhados por representantes da Câmara Municipal, e, pasme-se, pela própria Banda do Exército, clamavam estrepitosamente contra um suposto golpe de estado promovido pela extrema-direita, com patrocínio norte-americano, e enalteciam as qualidades revolucionárias de um regime que tem vindo a comprimir as liberdades públicas, a promover a pobreza e a provocar ondas de violência sem precedentes históricos.

Sob a presidência de Maduro, assistimos à sistemática violação do princípio da separação de poderes, a tentativa de deslegitimação de um parlamento democraticamente eleito, ao silenciamento de múltiplos órgãos de informação, ao encarceramento de várias figuras públicas da oposição e à destruição da economia nacional. Nas farmácias escasseiam os medicamentos, nos supermercados e nas mercearias rareiam os produtos alimentares, sucedem-se os assaltos e pilhagens, assiste-se ao avanço da subnutrição, que afecta especialmente, como sempre acontece nestes casos, os sectores mais pobres da população. A inflação é hoje uma das mais altas do mundo e a corrupção - ligada, em muitos casos, ao narcotráfico - alcança valores até há pouco impensáveis.

A Venezuela é o exemplo mais claro de como uma mistura de neo-marxismo básico, de populismo agressivo e de caudilhismo em pretensa versão progressista não pode produzir outro resultado senão este: regressão política, ruína económica e desespero social.

Infelizmente, nada disto é novo e remete-nos para a memória do grande falhanço histórico que o comunismo constituiu no decorrer do século XX. Talvez valha a pena lembrá-lo, numa altura em que uns por convicção e outros por puro oportunismo se empenham em branquear a história de um dos maiores desastres colectivos que a humanidade já conheceu. Não, o problema não são os poucos militantes do Partido Comunista que participaram na inusitada cerimónia de homenagem a um regime que exala sinais de putrefacção por todos os lados. Desses, que chegam ao ponto de declarar respeito pelo regime norte-coreano, nada haverá a esperar. O pior são os outros, os velhacos compagnons de route que procuram sempre conciliar a preservação de uma boa consciência com o exercício de um calculismo alheio a qualquer obrigação de ordem moral.

O que hoje se passa na Venezuela interpela-nos a todos e reclama das consciências democráticas e liberais a afirmação de um posicionamento claro a favor de quantos, em circunstâncias dramáticas, combatem a ditadura emergente naquele país. O facto de haver milhares de venezuelanos com ligação directa ou indirecta a Portugal confere-nos uma responsabilidade especial que não devemos elidir através da invocação de pretextos pueris.

Há vários meses enviei uma carta ao senhor ministro dos Negócios Estrangeiros do nosso país alertando para a necessidade de o Estado português prestar o devido apoio a alguns concidadãos nossos que se encontravam - e nalguns casos se encontram ainda - presos em condições deploráveis na Venezuela. Dessa carta não obtive até ao presente qualquer resposta, esperando contudo que tenham sido levadas a cabo as diligências solicitadas. Pelo menos sei que o secretário de Estado das Comunidades se tem preocupado pessoalmente com o assunto. A falta de cortesia nem sempre é sinónimo de desatenção. Esperemos que seja este o caso.

Já agora, seria interessante apurar a razão pela qual a Banda do Exército Portugues foi impelida a participar numa cerimónia que, no mínimo, se confundiu com um infame acto de apoio a um regime antidemocrático e antiliberal. Não deixa de ser curiosa essa inusitada manifestação de generosidade marcial e musical. 

2. A imagem externa de Portugal ficou obviamente afectada com as ocorrências de Pedrogão Grande e de Tancos. Afirmar o contrário é negar uma evidência. O que isso não significa é que se possa fazer uma imputação automática de responsabilidades ao governo em funções. Sejamos sérios: o que aconteceu poderia ter sucedido com qualquer outro governo, independentemente das suas orientações doutrinárias e políticas. O que veio ao de cima foi o arcaísmo e a impreparação de um país ainda dominado por corporativismos atávicos e por interesses ilegítimos. Há porém uma lição a tirar de tudo isto: o discurso da infantilização nacional não pode conduzir a outra consequência que não seja a do falhanço colectivo. Infelizmente, esse discurso prevaleceu nos últimos tempos, quer sob a forma da auto-apologia, quer sob a forma da execração sumária dos adversários.

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