O maior erro político de António Costa

António Costa deixou que se lhe colasse à pele a fama de um líder que só gosta de dar a cara nas horas boas.

O grande azar de António Costa é a impossibilidade de sentar as labaredas e os ladrões de armamento a uma mesa de negociações. Se desse para amarrá-los a um tampo de mogno, todos sabemos que o primeiro-ministro, coadjuvado por Pedro Nuno Santos e por Diogo Lacerda Machado, conseguiria certamente chegar a resultados admiráveis e alcançar entendimentos impossíveis. O fogo teria matado, quando muito, dois ou três idosos acamados. Os ladrões teriam roubado, quando muito, três caixas de munições velhas e uma dúzia de G3 por olear. Seriam tragédias negociadas e suaves. Assim, foram apenas tragédias.

Após ano e meio de legislatura, tanto os admiradores de António Costa como os seus adversários são obrigados a reconhecer o seu génio na arte do compromisso. Só que ninguém sabe nada acerca da sua fibra: de que é António Costa feito quando é impossível negociar? Os primeiros sinais não são brilhantes. Costa teve ao longo da sua carreira política vários momentos de hesitação, um dos quais muito badalado, durante a liderança de António José Seguro. Como primeiro-ministro, contudo, todo ele exalava confiança. Faltava-lhe um teste a sério. Quando chegou, e logo em dose dupla, chegaram também as perguntas difíceis: será que, quando é preciso cortar rente, assumir os erros, dar o peito às balas, António Costa consegue fazê-lo com a mesma competência e naturalidade com que enfiou o PCP e o Bloco de Esquerda no bolso? Quando a temperatura na cozinha começa a subir muito, será que Costa é mais Chamberlain ou mais Churchill? Será que consegue assumir rupturas dolorosas ou está condenado a praticar o eterno apaziguamento? Eis uma série de questões a que nenhum português está ainda totalmente habilitado a responder.

Desde logo, claro, porque António Costa resolveu desaparecer a meio do primeiro exame sério à sua capacidade de liderar em tempos adversos. Devo dizer que me chateia imenso criticar um político que tira uma semana de férias. Ser primeiro-ministro é trabalhar de manhã à noite, sete dias por semana, e toda a gente precisa de descansar – até para manter a sanidade mental. Além disso, nós gostamos de políticos sérios e poupados, mas depois tratamo-los como se fossem ricos, e pudessem desmarcar e remarcar férias com a facilidade de um milionário. Contudo, todas as regras têm excepção, e no presente contexto é perfeitamente natural que a semana de férias de António Costa se confunda com uma deserção. Ter ido tomar banho para Palma de Maiorca enquanto dois dos seus ministros ficavam em Portugal a assar em lume brando, completamente fragilizados, não é a mais brilhante manifestação de liderança. E, como se viu pela visita do Presidente da República a Tancos, quem preencheu o seu vazio não foi Augusto Santos Silva, mas sim Marcelo Rebelo de Sousa, especialista em abrir buracos na vedação da separação de poderes.

Isto é perigoso para Costa, porque o carimbo de homem dado a retiradas estratégicas em tempos sombrios pode colar-se à sua pele, e vai muito para além da mera discordância política – não se trata de um problema de divergência ideológica, mas de carácter pessoal. Claro que António Costa é suficientemente hábil para poder voltar de Espanha retemperado e cheio de vontade de recuperar o controlo da situação. Mas parece indiscutível que ele cometeu aqui o maior erro político desde que é primeiro-ministro: deixou que se lhe colasse à pele a fama de um líder que só gosta de dar a cara nas horas boas.

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