Histórias do Tour: O convocado de última hora

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O pelotão do Tour LUSA/ROBERT GHEMENT

Paddy Bevin é um daqueles tipos que vê sempre o copo meio cheio. Quando outros se teriam atemorizado por serem chamados à última hora para estar neste Tour, ele abre um sorriso rasgado e goza com a situação, com o mesmo despojamento que usa para gozar consigo. "Tive o dobro do tempo para me preparar do que na Vuelta do ano passado, o que já é alguma coisa. Penso que estas convocatórias na véspera fazem parte de quem sou na equipa. Não sou o primeiro na lista e isto é uma consequência da ‘liga’ em que estou. Tem sido a minha história este ano. Tenho tido algumas corridas inesperadas e adaptar-me a isso tem sido um atributo valioso”, declarou.

É precisamente essa a qualidade que melhor define um dos quatro neozelandeses nesta edição da prova francesa. Há pouco mais de um ano, quando cumpria a sua temporada de estreia no WorldTour e na Europa, depois de despontar para a modalidade em formações continentais dos Estados Unidos e da Austrália, com resultados que cativaram o mosaico cultural que é a Cannondale-Drapac, deu nas vistas ao ser terceiro no prólogo do Paris-Nice. O início fulgurante entre a elite do ciclismo mundial - atestado também pelo título de campeão nacional de contra-relógio e pelo décimo lugar no Tour Down Under - foi do mais éfemero: na quinta etapa da prova francesa, caiu quando seguia na quarta posição da geral e fraturou as costelas.

“Saboreei levemente o sucesso. Estava no pódio de provas WorldTour, estava a surpreender muita gente e então sofri um duro golpe. Qualquer pessoa que tenha partido as costelas sabe que é uma experiência horrível. Demorei algum tempo a superar. Nos meses seguintes, ainda tive alguns bons resultados, mas faltou-me sempre aquele bocadinho extra”, recordou numa entrevista ao CyclingTips. O duro contacto com a realidade levou-o a apreciar mais as oportunidades, como a que lhe caiu do céu a cinco dias da partida da Vuelta 2016.

“Foi uma chamada de última hora. Foi ótimo começar, péssimo partir um dedo logo ao terceiro dia”. Bevin ainda aguentou oito etapas, mas, ao não conseguir agarrar bem o guiador, acabou por cair novamente, tendo de pôr termo à sua estreia em grandes Voltas. “Foi só mais um golpe. Já estava de joelhos e sofri outra pancada. Faz tudo parte do crescimento. Dás-te um tempo para ficares abalado e depois dizes “é tempo de fazer reset e tentar outra vez”.

Este ano, o jovem dos antípodas começou do zero. Depois de um início de temporada ininterrupto e modesto, o ciclista, nascido Patrick Bevin há 26 anos, "engatou" uma série de bons resultados: foi sexto na Volta à Noruega, ganhou ritmo nas Hammer Series e rumou à Volta à Suíça, onde terminou, por quatro vezes, no "top-10" das etapas, incluindo no contra-relógio do último dia.

A dez dias do arranque do Tour, o telefone tocou e a voz do outro lado revelou-lhe a mais inesperada das surpresas. Paddy, que nem estava na lista dos 12 pré-convocados para a prova rainha do panorama velocipédico mundial, seria um dos nove homens da Cannondale-Drapac. “Quando corres em Junho, qualquer boa exibição ajuda a conquistar um lugar no Tour. Seria ingénuo da minha parte achar que, como me dei bem na Suíça, também vou conseguir fazê-lo em França. Apresentar-me na melhor forma possível é o melhor que posso oferecer”, afirmou.

A lucidez do corredor "kiwi" impressiona, mas, como qualquer miúdo que acordava infalivelmente às três da manhã para sintonizar as emissões da Grande Boucle, Bevin não consegue afastar a emoção que lhe sacode o corpo. “A equipa está desejosa de animar a corrida e mal posso esperar para fazer parte disso. Estou genuinamente entusiasmado por fazer parte deste Tour. É impossível afastar estes sentimentos. Cruzar esse limiar, de adepto para participante, é um privilégio que poucos experimentam”, assumiu em entrevista ao site neozelandês Stuff.

Agora, Bevin está a aprender a lidar com a fama inesperada que a presença na 104.ª Volta a França lhe granjeou na Nova Zelândia: “Nunca pensei que ser anunciado como um dos participantes fosse algo tão grande. O país simplesmente enloqueceu”.

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