Nesta escola de Faro, aprende-se a servir turistas sem saber inglês. Um sorriso é suficiente

A Associação Algarvia de Pais e Amigos das Crianças Diminuídas Mentais criou um restaurante pedagógico, onde se formam empregados de mesa e cozinheiros especiais. O sorriso e a boa vontade desarmam os clientes mais exigentes.

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Como é que se pode ser empregado de mesa num hotel, em Albufeira, sem saber falar inglês? “Sim, pode, desde que seja uma pessoa especial”, responde Carla Farias, coordenadora da Unidade de Formação Profissional da Associação Algarvia de Pais e Amigos de Crianças Diminuídas Mentais (AAPACDM), que prepara jovens para o futuro, descobrindo em cada um deles competência que nem sempre estão à flor da pele. Às vezes, diz, “basta um sorriso para ultrapassar barreiras”

Nesta instituição de solidariedade social há uma missão a cumprir: realizar projectos terapêuticos, educativos que sejam um compromisso para vida de quem educa e de quem é educado. Por coincidência, a AAPACDM localiza-se na Rua do Compromisso, em Faro, há 49 anos. “Compromisso com o futuro” poderia ser um slogan de campanha eleitoral para as eleições autárquicas deste ano mas neste caso não é uma promessa partidária, é mesmo um lema assumido e cumprido: a associação dá apoio a crianças, jovens e adultos com deficiência mental, necessidades educativas especiais ou ainda em situação de risco de exclusão social

Rui Santos é um dos casos de sucesso da instituição. Cresceu na “Casa dos Rapazes” em Faro, onde recebeu o apoio que lhe faltou no agregado familiar. Mais tarde, entre 2012 e 2014, frequentou o curso de empregado de mesa na AAPACDM. No hotel Vila Galé — Cerro Alagoa, em Albufeira, para onde foi trabalhar a seguir à formação, foi um dos empregados mais elogiados pelos clientes, que passaram a escrito os agradecimentos a quem os serviu, mesmo não falando inglês. Qual a estratégia para vencer as dificuldades? “Não fala inglês, mas tem sempre um sorriso de simpatia e boa-vontade, essa é a sua estratégia, e os clientes apreciam o esforço” diz Carla Farias, psicóloga clínica que, há 11 anos, trabalha com estes jovens, portadores de estórias de vida que, de algum modo, acabam por condicionar a sua maneira de estar e ver o mundo.

Mas Rui Santos, à semelhança do que sucede à generalidade dos trabalhadores do sector turístico, terminado o contrato de trabalho de seis meses, cai no desemprego. O ciclo repete-se todos os anos. E para estes alunos, a dificuldade é acrescida. Porque, lá fora, quando terminam os cursos profissionais, os formandos confrontam-se com o mercado do trabalho onde as pessoas, por vezes, são apenas números: “Não é propriamente fácil integrar estes jovens, porque eles acabam por não conseguir ter um rendimento de trabalho igual às outras pessoas ditas normais — por isso, os empresários acabam por ter alguma relutância em contratar”, diz a coordenadora dos cursos de formação ligados à hotelaria.

Pedagogia com faca e garfo

A criação de um restaurante pedagógico, a funcionar desde Março 2016, foi uma das formas de dar a conhecer o resultado de uma equipa pluridisciplinar e multifacetada, que prepara profissionais para a cozinha e empregados de mesa. Além das aulas práticas, há provas práticas. Pelo menos uma vez por semana, os formandos são desafiados a mostrarem os conhecimentos a convidados externos servindo um almoço. Desta vez, calhou ao PÚBLICO e outros órgãos de informação darem nota aos alunos: “Bom”, aqui fica a avaliação, pela parte que nos toca.

Daniela Guerreiro, de 26 anos, a finalizar o curso de empregada de mesa, quer juntar-se aos casos de sucesso: “Vou começar a trabalhar no hotel Dona Filipa [cinco estrelas], e o meu sonho era lá ficar”. Carla Farias acha que estes jovens, com algumas dificuldades, são casos “especiais” que têm condições, se forem ajudados, para superar as dificuldades. Rúben Rocha, de 22 anos, já fez o curso de cozinha, agora está a preparar-se para vir a ser empregado de mesa. Das duas formações, diz, prefere a de empregado de mesa. No almoço, com os jornalistas, os passos e gestos de servir à mesa, treinados na perfeição, tiveram uma dificuldade acrescida — os pés das cadeiras estavam mais afastados que habitual e o espaço exigiu outra marcação: “É a primeira vez que nos sentamos nestas cadeiras, compradas recentemente”, informou Carla Farias. A mudança, explicou, deveu-se à dádiva de uma senhora estrangeira. “Veio cá almoçar, e no final disse: as cadeiras estão velhas, e passou um cheque”.

A abertura de um hostel e de um lar são dois dos projectos que a AAPACDM tem em carteira para encontrar na economia social a resposta que lhe falta no sector hoteleiro e turística, criando novas oportunidades de empregabilidade: “Temos um edifício antigo [localizado na rua do Compromisso, zona histórica da cidade] que nos foi oferecido há um ano e meio, e que queremos recuperar e fazer um hostel”, adianta a directora técnica, Sandra Gonçalves, deixando um lamento: “Não tivemos acesso aos fundos comunitários do programa Portugal 2020”. O objectivo, diz, seria encontrar uma forma de integrar os utentes, encontrando ao mesmo tempo uma mais-valia para tornar a instituição mais sustentável do ponto de vista financeiro. O montante dos apoios, protocolados com a Segurança Social, sublinha, são os mesmos há vários anos e os custos aumentaram. As despesas anuais rondam 1,5 milhões de euros. Há ainda um terreno para construir um lar, “mas não há dinheiro para a construção, apenas uma reunião marcada com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), para discutir este assunto”.     

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