Acção social está mais perto das pessoas mas nem por isso mais eficaz

Técnicos não têm autonomia para tomar decisões e verbas são insuficientes. Redes Locais de Intervenção Social foram criadas “para melhorar a qualidade da intervenção, mas assim não vamos conseguir”, diz uma técnica.

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O Governo prometeu uma avaliação às Redes Locais de Intervenção Social Paulo Pimenta (arquivo)

Chamam-se Redes Locais de Intervenção Social (RLIS). Entidades sem fins lucrativos assumiram algumas competências da Segurança Social para fazer um atendimento próximo e personalizado, trabalhando em parceria, promovendo a inserção das pessoas mais vulneráveis. Que se passou? Estão mais perto das pessoas, são mais expeditas a atendê-las, mas nem sempre encontram forma de as acudir.

Às vezes, Catarina Ribeiro, a coordenadora da RLIS Bonfim/Campanhã, na zona Oriental do Porto, nem sabe para onde se virar. São mais de 450 processos, a representar cerca de mil pessoas, para quatro técnicos. Cada pessoa chega com as suas aflições. Uma receita para aviar, uma ameaça de despejo, de corte de água ou luz. “Não temos orçamento para responder nem a metade das situações”, lamenta. “Estes serviços foram criados para melhorar a qualidade da intervenção, mas assim não vamos conseguir.”

Foi uma ideia do Governo anterior: transferir para instituições particulares de solidariedade social, misericórdias ou mutualidades as competências da Segurança Social relacionadas com o atendimento e o acompanhamento social das pessoas mais vulneráveis. Entendia o então ministro da Segurança Social, Mota Soares, que as instituições locais conheciam melhor o terreno e fariam melhor.

No Verão de 2015, no âmbito do novo ciclo de fundos comunitários Portugal 2020, abriu-se uma linha de 50 milhões de euros. Os serviços distritais da Segurança Social desafiaram algumas entidades a avançar. Atenderiam pessoas, solicitariam dinheiro quando necessário para despesas urgentes (habitação, alimentação, medicamentos...), delineariam planos de inserção e acompanhá-los-iam.

O Governo actual nunca escondeu o seu desagrado com esta solução. Há um ano e meio, a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, disse que teria de ser repensada e, por isso mesmo, estava a ser avaliada. Há duas semanas e meia que o PÚBLICO pede o resultado de tal diligência. Até agora, o gabinete de Cláudia Joaquim não respondeu. Nem sequer informou quantas RLIS estão a funcionar.

Queixas e atrasos

Em Março, técnicos de 29 RLIS estiveram reunidos em Espinho. “Concluiu-se que existe um atendimento/acompanhamento mais próximo das populações, o que permite uma intervenção social mais ajustada”, resume Anabela Monteiro, coordenadora da RLIS de Espinho. O PÚBLICO contactou outras sete, confirmou essa ideia e encontrou frustração: a plataforma informática só permite aceder a parte da informação necessária, os técnicos do serviço de atendimento e acompanhamento não têm autonomia para tomar decisões, a verba de acção social é insuficiente, em muitos casos as redes locais nunca foram formalizadas.

Lisboa ficou de fora (a Santa Casa da Misericórdia já assume esse papel). E é no Porto que se ouvem mais queixas. O concelho foi dividido em quatro partes. A zona Oriental repartiu-se pela Norte Vida – Associação para a Promoção da Saúde (freguesia de Paranhos) e pela Fios e Desafios – Associação de Apoio Integrado à Família (Bonfim/Campanhã). A zona Ocidental pela Santa Casa da Misericórdia do Porto (Cedofeita e Massarelos) e pelo Centro Social de S. Martinho de Aldoar (Ramalde, Aldoar, Foz, Nevogilde).

“Foi um reforço importante”, considera Alexandre Teixeira, coordenador da RLIS de Paranhos. “Antes, as pessoas tinham de esperar um ou dois meses pelo atendimento. Agora, se alguém ligar hoje, daqui a dois dias ou três já é atendida.” Qual é o problema? O valor da verba disponível para acção social manteve-se. “Há prestações sociais a que as pessoas podem recorrer, mas o valor dessas prestações ou dos salários que recebem nem sempre cobre as despesas. E o fundo de acção social é muito baixo. É uma ginástica grande conseguir distribui-lo de uma forma não muito penalizadora.”

A intervenção pode ser supraconcelhia, concelhia ou infraconcelhia. Há variações. A RLIS de Paranhos, por exemplo, não pode ir além de três mil euros por mês, não importa o número de pedidos nem a complexidade das problemáticas. Já a Valença pode gastar até 500 euros por ano com cada uma das pessoas que acompanha. Em Espinho, não há um limite definido. Nenhuma, contudo, pode decidir quem recebe apoio.

Aparece uma pessoa num serviço de atendimento e acompanhamento de uma RLIS com uma receita para aviar. O técnico tem de fazer um relatório a justificar a necessidade de lhe ser atribuído dinheiro para aquela despesa. Pode perder-se uma semana até o pedido ser apreciado pela coordenadora local da Segurança Social, outra até ser processado e duas até ser pago. E nem sempre o que parece indiscutível na RLIS o é.

Catarina Ribeiro recorda o caso de um menino com necessidades educativas especiais que está com a mãe em alojamento temporário e vai todos os dias a pé para a escola, a mais de cinco quilómetros. “Quando se diz que é preciso dinheiro para pagar o passe, isto para a Segurança Social não é evidente”, comenta. “A RLIS devia ter uma autonomia diferente para dar respostas mais efectivas, mais rápidas”, considera. “Todas as respostas que dependem da Segurança Social demoram muito. Tentamos encontrar fundos noutros locais. No nosso caso, a Junta de Freguesia de Bonfim tem sido um parceiro brutal.” Lamentos semelhantes repetem-se noutras RLIS ouvidas pelo PÚBLICO.

Faltam respostas

Não haverá técnico que não valorize os parceiros. Mesmo em meios mais pequenos, como o da RLIS Mação/Sardoal, com 70 processos. No dia em que falou com o PÚBLICO, o coordenador, José Carlos Veríssimo, deparara-se com um doente psiquiátrico sem dinheiro para se deslocar à consulta médica e accionara a corporação de bombeiros local, que se dispõe a transportar algumas pessoas em situação de carência económica. “No início tivemos alguns constrangimentos, até porque é uma forma nova de trabalhar, mas neste momento temos uma rede de parcerias montada e consolidada”, explicou.

O problema parece, pois, começar no orçamento de cada centro distrital. No Porto, sobram queixas. Sempre foi assim, lembra Henrique Rodrigues, dirigente da Associação Ermesinde Cidade Aberta, responsável pela RLIS local. “Muitas vezes, a meio do ano já não havia verba de acção social.” Anabela Monteiro, da RLIS de Espinho, tem conseguido encontrar resposta grande parte do ano. Tudo se pode complicar, admite, nos últimos meses do ano, quando a verba começa a esgotar-se no centro distrital de Aveiro. Liliana Fernandes, coordenadora da RLIS de Valença, nem acusa falta de verba.

Não é tudo. Faltam respostas, sobretudo em áreas como a saúde mental ou a deficiência. E a economia desempenha um papel fulcral. A RLIS de Beja, por exemplo, garante que tem “conseguido dar resposta” a quem precisa de dinheiro para despesas urgentes por via da Segurança Social ou do Fundo de Emergência Social da Cáritas Diocesana de Beja. “O desafio da equipa é conseguir aprofundar o diagnóstico social para que a intervenção no âmbito do acompanhamento possa vir a criar competências que reforcem a progressiva autonomia”, diz a coordenadora Ana Isabel Soeiro. A RLIS Covilhã/Belmonte, que gere cerca de 650 processos, o que corresponde a mais de 1300 pessoas, também declara que, “mediante priorização, tem sido possível atender”. “O maior constrangimento relaciona-se com a ausência de ofertas de emprego com repercussões directas na dinâmica familiar”, revela a coordenadora, Ana Almeida.

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