Histórias do Tour: A estreia que dificilmente acontecerá

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Nestas páginas, o primeiro domingo de Julho é sinónimo de primeiro mergulho anual nas histórias dos protagonistas da Volta a França. Desta vez, no entanto, começamos por falar do grande ausente, pelo menos para nós. Esta é uma história triste, daquelas que ninguém quer contar. A história do sonho desfeito de André Cardoso, que deu positivo por EPO (aguarda ainda a contra-análise) a 12 dias daquela que seria a sua estreia na prova-rainha do calendário internacional.

Recapitulemos. A 23 de Junho, a Trek-Segafredo acabava com o suspense: o português era um dos eleitos para estar ao lado de Alberto Contador no Tour. O anúncio não apanhou ninguém desprevenido. Afinal, o pequeno trepador nacional tinha sido um dos elementos imutáveis da guarda pretoriana do campeoníssimo espanhol ao longo da temporada. “Um sonho tornado realidade fazer parte desta grande equipa Trek-Segafredo no meu primeiro Tour. Muito orgulhoso", escreveu então no Twitter. A oportunidade de Cardoso tinha, finalmente, chegado: depois de quatro participações na Vuelta e três no Giro, o mais consistente dos corredores nacionais em grandes Voltas – nunca ficou fora do top25 da geral final nessas sete presenças – deixava de ser o único dos principais nomes do ciclismo português a nunca ter estado na "Grande Boucle".

Cardoso passou as horas seguintes num rodopio. A sua semana perfeita incluiu, além dos preparativos para a estreia, das entrevistas (que nunca serão publicadas) e das mensagens e chamadas em catadupa, a participação na prova de fundo dos Campeonatos Nacionais, num traçado desenhado pela sua mão, em Gondomar. Os dias de sonho eram o culminar de uma carreira começada dez anos antes, quando se catapultou para a ribalta do pelotão luso com a vitória na classificação da montanha da Volta a Portugal.

Por aqui, conhecemo-lo como "Cholas" e foi sob esse cognome, explicado pelos dentes que pareciam “sacholas”, que o pequeno e franzino gondomarense se tornou numa peça fundamental do eixo vitorioso do Tavira na Volta a Portugal, já depois de ter dado os primeiros passos no profissionalismo no Paredes.

Vimo-lo trabalhar para os triunfos de David Blanco (2009 e 2010) e de Ricardo Mestre, o compatriota que secundou no pódio em 2011. A sempre atenta Caja Rural proporcionou-lhe a primeira experiência internacional e, em jeito de agradecimento, Cardoso foi 21.º na estreia em grandes Voltas, na Vuelta2012. A partir daí, foi (literalmente) sempre a subir: o 16.º posto na edição seguinte da Volta a Espanha captou a atenção da Garmin, que lhe abriu as portas do WorldTour. Entre 2014 e 2016, notabilizou-se a trabalhar para nomes fortes, como Ryder Hesjedal, Daniel Martin ou Rigoberto Urán. Sem triunfos para colorir esse período – a única vitória do seu palmarés remonta a 2011, quando ergueu os braços no alto da Torre, na Volta a Portugal -, teve como ponto alto do seu trajeto internacional o 14.º lugar no Giro2016.

Discreto em resultados na estrada, nunca o foi fora dela. Utilizador profícuo das redes sociais, o falador Cardoso, com o seu sotaque carregado e ritmo pausado, sempre foi um dos mais disponíveis do pelotão. Fosse no alto da Senhora da Graça, quando ainda mal tinha recuperado o fôlego, ou nos bastidores das maiores competições em que participou – além das já referidas grandes Voltas, representou Portugal duas vezes nos Jogos Olímpicos (Pequim 2008 e Rio 2016) e sete em Mundiais -, nunca negou uma declaração aos jornalistas. Divertido e vaidoso q.b, marcou a diferença no tão cinzento panorama nacional com o seu piercing ou vídeos onde demonstrava os dotes como DJ improvisado nos estágios em altitude das equipas por onde passou ou nas concentrações da selecção.

Este é o ciclista que se iria estrear no Tour, este é o homem, que a confirmar-se o positivo por uma substância caída em desuso e que assombrou o ciclismo nos anos 2000, dificilmente alguma vez o fará. 

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