Em Gypsy, Naomi Watts é a psicóloga que deixa a ética à porta do gabinete

O novo thriller do Netflix estreia-se esta sexta-feira e fala de uma mulher com uma vida aparentemente perfeita que se envolve demasiado nos casos dos seus pacientes.

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Jean (Naomi Watts) e Sidney (Sophie Cookson) Alison Coen Rosa/Netflix

A história começa como só um inequívoco thriller psicológico poderia começar. Jean caminha entre a multidão na plataforma de uma estação de comboios e introduz-nos na história com um monólogo. “Há uma força mais poderosa que o livre arbítrio: o subconsciente”, deixa no ar a protagonista interpretada por Naomi Watts. “Nunca somos quem realmente dizemos ser. Provavelmente somos alguém completamente diferente." Não é preciso muito tempo para perceber que Jean está a referir-se a si própria e não ao mundo em geral.

À primeira vista, a psicóloga parece o protótipo perfeito da mulher moderna. Trabalha num gabinete colectivo em Manhattan onde tem uma carreira bem-sucedida e uma vida familiar igualmente concretizada. É casada com o advogado Michael (Billy Crudup) e os dois têm uma filha, Dolly (Maren Heary), uma maria-rapaz e uma pequena ninja das artes marciais. Mas Jean tem um problema – envolve-se demasiado na vida dos seus pacientes e acaba por desenvolver uma série de relações íntimas e sexuais com as pessoas de quem ouve falar.

Claire (Brenda Vaccaro) é uma mãe que se culpa pelo fim do relacionamento da filha e que procura uma solução para a relação distante que mantém com ela. Jean ouve-a com um bloco de notas na mão e fá-la ver que uma tentativa de aproximação pode ser, na verdade, motivo de um maior afastamento. “Já sabe o que é que vou dizer”, afirma Jean. “Limites”, responde Claire, aparecendo posteriormente a palavra sublinhada no bloco da psicóloga. Só que ela própria não obedece à dita “palavra-chave” e vai criar uma amizade com a filha de Claire.

Será o estrelato de Watts suficientemente convincente?

É um método pouco ortodoxo que a protagonista vai usar ao longo dos dez episódios da trama e que é levada ao extremo no caso de Sam (Karl Glusman), um paciente que não consegue ultrapassar a ex-namorada Sidney (Sophie Cookson). Jean frequenta o Rabbit Hole, o local de trabalho de Sidney, e além de criar uma nova identidade, inicia com a jovem uma relação que anda entre o erótico e o perturbador.

 A vida da psicóloga é um novelo ainda mais difícil de desenvencilhar do que parece. Além da falta de ética que rege a sua vida profissional, a sua vida pessoal não é menos complicada. Michael lida diariamente com a sedução da assistente Alexis (Melanie Liburd) e a filha, Dolly, questiona a formatação de género e começa a dar sinais de se identificar sim como rapaz, causando inquietação na escola e nos pais dos colegas.

A série, criada pela estreante Lisa Rubin e com realização de Sam Taylor-Johnson (As Cinquenta Sombras de Grey) em alguns episódios, é a estreia de Naomi Watts como protagonista no mundo televisivo. Mas apesar de confiar no estrelato da actriz para lhe dar visibilidade, Gypsy não tem propriamente convencido a crítica. Há quem compare a dualidade e a obsessão da sua personagem com o papel duplo que interpretou em Mulholland Drive (2001), o filme de David Lynch que catapultou a actriz para a fama. “O drama da Netflix com Naomi Watts centra-se em temas de auto-ilusão e obsessão que ecoam Mulholland Drive, só que tudo é muito óbvio e bastante aborrecido”, escreve a Hollywood Reporter, que compara o círculo de amigas de Jean com as mães suburbanas e intriguistas de Big Little Lies.

Esta impressão é partilhada pela Entertainment Weekly, que além de comparar a série ao drama da HBO, insere Jean no universo de Twin Peaks. “É uma personagem surreal e agitada, com uma vida dupla cheia de segredos perigosos”, “um puzzle tornado fascinante pela actriz”. Mas a crítica volta a dividir-se no Indiewire. “Depois de uma reviravolta feroz em Twin Peaks e uma participação especial hilariante em BoJack Horseman, Watts finalmente tem a sua própria série e… não tem grande essência”.

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