Encontrado por Darwin, só agora tem um lugar na árvore da vida

Durante mais de 180 anos, um mamífero ungulado extinto atormentou os cientistas: não sabiam bem quais eram os seus parentes próximos. Agora tudo se resolveu graças ao contributo do ADN.

Foto
Ilustração do Macrauchenia patachonica Jorge Blanco

Se houve mamífero que tinha parecenças com muitos animais em simultâneo foi um ungulado já extinto de nome Macrauchenia patachonica. Tinha uma tromba, seria como os elefantes? Se andou em ambientes marinhos, saberia fazer apneia? Estas eram apenas algumas das questões colocadas sobre este ungulado. Mas a maior de todas era esta: onde se situa na árvore da vida? Desde a sua descoberta, há cerca de 180 anos, que era órfão. Agora o mistério foi desvendado e o Macrauchenia patachonica encontrou uma ordem “irmã”, a Perissodactyla, que tem descendentes vivos, como os cavalos e rinocerontes.

A linhagem deste ungulado terá surgido há cerca de 65 milhões de anos, segundo um artigo na revista Nature Communications desta terça-feira. Tinha entre 400 e 500 quilogramas, um pescoço longo e uma tromba. Pertencia à ordem Litopterna, uma ordem extinta de mamíferos ungulados, que terá habitado o nosso planeta entre há cerca de 65 milhões de anos e 11 mil anos.

A primeira pessoa a encontrar o “um dos últimos ungulados nativos da América do Sul”, como é conhecido, foi o naturalista Charles Darwin em 1834, no Uruguai e na Argentina. A descoberta foi feita durante a sua viagem no navio Beagle entre os anos de 1831 a 1836. Depois, decidiu passar o quebra-cabeças da identidade dos fósseis encontrados ao paleontólogo britânico Richard Owen, que acabou por lhes dar o nome científico Macrauchenia patachonica em 1838 e colocou esta espécie na infraclasse dos placentários.

Mas como refere o artigo científico na Nature Communications, Richard Owen tinha poucos ossos dos membros e das vértebras deste animal para analisar. Por isso, acabou por descrever o mamífero como um parente dos lamas, sobretudo porque era comprido e tinha um pescoço como o dos camelos. Contudo, não reparou noutras das suas características, como a posição das suas cavidades nasais bem perto das órbitas oculares. “As análises de Owen indicaram que o Macrauchenia era, quanto à sua classificação, um ungulado, mas foram inconclusivas”, lê-se no artigo. A combinação das suas características terá baralhado Richard Owen, que “deixou” que fossem os paleontólogos do século XXI a definir o lugar do Macrauchenia patachonica na árvore da vida.

Num estudo de há cerca de dois anos já se tinham realizado análises ao colagénio (proteínas encontradas na pele, nos ossos, cartilagem ou músculo liso) dos fósseis. Percebeu-se então que a Macrauchenia patachonica estava ligada a uma ordem de animais vivos: a Perissodactyla, que inclui os cavalos ou rinocerontes.

Agora uma equipa liderada pelo paleontólogo Michael Hofreiter, da Universidade de Potsdam, na Alemanha, veio dar força a esta afirmação. Neste novo estudo fizeram-se análises ao ADN mitocondrial, que está fora do núcleo das células e é transmitido apenas pela mãe. Extraíram-se amostras de ossos de seis exemplares do género Macrauchenia e de 11 toxodontes (um mamífero extinto que ainda coexistiu com o Macrauchenia e que também foi encontrado por Charles Darwin). Os fósseis são de vários países da América do Sul, como o Uruguai, a Argentina e o Chile.

Foto
Mapa com os sítios onde se recolheram amostras Michael Westbury et al./Nature Communications

A missão foi então reconstituir o genoma mitocondrial da espécie Macrauchenia patachonica. E como o seu ADN era antigo foi preciso encontrar material de parentes próximos daquela espécie, para se colmatarem as falhas do ADN mais “velhinho”. Mas não foi uma tarefa fácil, como diz Michael Westbury, também da Universidade de Postdam, num comunicado do Museu Americano de História Natural (Estados Unidos), que também contribuiu para este trabalho: “Tínhamos um problema difícil de resolver aqui: o Macrauchenia não tinha qualquer parente vivo próximo.”

Mas na gruta de Baño Nuevo, no Chile, descobriu-se uma falange de um exemplar do Macrauchenia patachonica, que permitiu assim fazer comparações com os genomas do rinoceronte e do cavalo. E verificou-se que havia uma proximidade genética entre o animal já extinto e aquelas duas espécies actuais.

No final, a equipa recuperou quase 80% do genoma mitocondrial do Macrauchenia patachonica. Com esta informação foi possível perceber que a espécie pertencia ao grande grupo Panperissodactyla e é próxima da ordem Perissodactyla. A equipa concluiu também que a linhagem dos Macrauchenia surgiu há cerca de 66 milhões de anos, praticamente em simultâneo com uma das maiores extinções de vida na história da Terra. A colisão de um grande meteorito criou a enorme cratera de Chicxulub, no Iucatão (México), e pensa-se que terá sido este acontecimento que levou ao desaparecimento dos dinossauros e de muitas outras formas de vida.

Os resultados deste novo estudo são compatíveis com o trabalho realizado há dois anos. “O nosso estudo confirma e alarga os resultados de outra investigação molecular publicada há dois anos, que utilizou o colagénio para inferir relações [de parentesco entre seres vivos]. Tal como nesse estudo, o nosso considerou que os parentes vivos mais próximos do Macrauchenia estão na ordem Perissodactyla, que inclui os cavalos, rinocerontes e os tapires”, explicou, no comunicado, Michael Hofreiter.

Há razões para dizer que Charles Darwin e Richard Owen ficariam contentes com estes resultados: afinal o mamífero que tanto os atormentou já encontrou os seus parentes vivos.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários