O Diabo sempre veio e levou-o

Passos falhou porque quis tirar partido de um estado emocional tremendo ampliado até à náusea pelos media.

Perdido nos corredores da sede central do PSD, cada vez mais só, enfrentando os que se querem ver livres dele, Passos precisava de combustível para atenuar o descontentamento interno e fazer frente às sondagens que dão ao partido um dos piores resultados de sempre.

Com o país unido em torno da solidariedade às populações das áreas atingidas, Passos foi obrigado a remeter-se a um silêncio custoso.

Mal se enterraram os mortos voltou. O estilo um pouco mais truculento e desafiador. Atacando a torto e a direito. Incapaz de se virar para Costa, atacou o Estado.

Na ânsia de se apoderar dos despojos políticos do grande incêndio, Passos falhou como falhara o Estado em aspetos essenciais, se bem que que não há proteção que valha quando a mãe natureza exibe todo o seu poderio e a nossa pequenez.

Passos falhou de modo estrondosos dado o exibicionismo e a inglória da parada. A gula incontida levou-o a anunciar o suicídio de cidadãos dos concelhos atingidos. E falhou clamorosamente. Sem apelo nem agravo. Sem necessidade. Sem chamas a rodeá-lo. Sem ter que se servir do SIRESP e do posto de comunicações da GNR. Sem ter que cortar estradas. Sem familiares às portas da tragédia. Falhou porque quis tirar partido de um estado emocional tremendo ampliado até à náusea pelos media.

Passos convocara o diabo e ele fez-se desentendido e faltou à chamada. Quando o inferno surgiu vindo não se sabe de onde, a Passos não lhe bastou os 64 mortos e as centenas de feridos. Inventou novas tragédias. E saiu-se muito mal. Chamuscado. Apropriado a quem se mete com o diabo.

Para o tentar salvar do pecado mortal em que caiu, apareceu o provedor da Santa Casa de Pedrógão e candidato do PSD a presidente do município a fazer de culpado. Afinal, Passos foi induzido em erro. E se o tal senhor provedor dissesse a Passos que naqueles concelhos tinha havido, durante os incêndios, violações, raptos, assaltos a caixas multibanco, ele teria anunciado aos jornalistas o que lhe dissera o homem da Santa Casa?

É este o modo de fazer política de quem se põe permanentemente em bicos de pés, como se fosse o que não é, puxando dos seus galões de político profissional que não liga a miudezas e se concentra nos problemas profundos e nas reformas estruturais?

Passos quis aproveitar a ocasião para dar a volta à situação em que se encontra dentro do partido e nas sondagens, mas o que sucedeu foi uma queimadura que o deixou às portas dos cuidados intensivos e com prognóstico muito reservado tendo em conta o estado de espírito de altas figuras do PSD, como Rui Rio, Morais Sarmento e outros.

Cansado de esperar pelo diabo, encarregado de gerir o inferno e de atrair as almas invisíveis, Passos, sob o fogo da oposição interna, veio com voz tonitruante declarar que o Estado falhara na proteção aos cidadãos que se suicidaram. E logo baixou a voz de tenor para pedir desculpa pelas informações mal-enjorcadas.

Provavelmente o Estado falhou, mas é preciso ir à raiz da falha para se compreender que certas políticas, a prazo, geram certas consequências. Passos atacou com o que tinha à mão e com a ajuda do senhor Schäuble a função pública, impondo cortes e mais cortes na área dos serviços do Estado, agravando a política dos últimos PEC.

Se se acabam com os cantoneiros, com os serviços florestais, se o número de guardas efetivos naqueles concelhos era diminuto, se os veículos funcionam mal, se as comunicações do SIRESP que custaram centenas de milhões de euros e mostraram a apetência de certos núcleos do poder para abocanhar aquele negócio, se o Estado, através dos seus responsáveis, fecha os olhos e deixa passar o que devia controlar, se na aquisição dos próprios meios de combate caríssimos estão envoltos em suspeição condutas que, a provar-se, são criminais, se tudo isto acontece o Estado falha, como já falhou e voltará a falhar se tudo se mantiver passado este clima de desgraça.

A maior falha no combate aos incêndios em Portugal é a estranha sensação que nos vai invadindo desta espécie de determinismo que nos persegue por incúria, independentemente das temperaturas. Outra é apetência para fossar nas desgraças das cinzas para as ampliar e tentar com essa ação ganhar apoios que, em circunstâncias normais, não teria.

Será uma maneira de ser lusitana ou algo próprio dos humanos que ampliam as tragédias para que ganhem contornos ainda mais graves e assim fazer crer que até àquela desgraça nenhuma outra pode ser comparada. Só que Passos não é um cidadão qualquer e não se soube conter. Foi uma desgraça. Queimou-se, e muito. Um suicídio político?

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários