Je suis um "peido"

Ora, ora, isto andava tudo a correr tão bem, campeonatos, festivais, comíamos tudo, até que vieram uns fogos, com um peido por cima e, para rematar, três penáltis falhados

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Ora, ora, isto andava tudo a correr tão bem, campeonatos, festivais, comíamos tudo, até que vieram uns fogos, com um peido por cima e, para rematar, três penáltis falhados. Mas o problema aqui não é a nova maré de azar, que essa sempre existiu, o problema é a ilusão, a felicidade colada a cuspo, essa tendência que os portugueses têm para festejar descuidando que existe um amanhã.

É tudo a "quente", este é um povo deseducado, tosco até à medula, hoje estamos salvos, amanhã está tudo perdido, pois é Sobral, como bem te compreendo, vives a música e querias um público capaz de te apreciar, como a tua técnica, esqueces que a popularidade escamoteia as maiores qualidades, tens, então, esta malta que aplaude, grita, rejubila, e tu, digno como sempre, dedicas-lhes um peido. Je suis Salvador Sobral. Melhor, Je suis um "peido", nas bentas da euforia do presente. Todos os dias desejo peidar-me nuns tantos peidorrentos. E quem nunca o desejou que mande o primeiro peido. Será satisfatório, com certeza. E aqui ando eu, preocupado com o longo prazo, vítima de uns "peidas" que se fingem inocentes. Ah, mas eu conheço a natureza humana! Não me venham com choros "incendiários". Amanhã, já se estarão marimbando. Não me venham armar-se em ofendidos. Amanhã sereis vós a ofender. Antes imoral, niilista, mas tentativamente sincero. Não há é quem ature tanta falsa obstipação.

E, no entanto, que interesse que me preocupe, mais vale viver no imediato. Sim, que hoje vencemos, mas, amanhã, bem que se revela o poder da auto-estima nacional. Os três penáltis falhados são, na verdade, bem demonstrativos do modo de ser português: a medo, falha-se o primeiro penálti, e, a partir daí, temos o poder da fatalidade, falha-se o segundo com pezinhos de lã, e o terceiro com mais receio ainda. Aqueles membros tremelicantes dos marcadores, aquilo é que é a forma bem "tuga" de se ser. Assim, talvez devêssemos apostar mais no talento que enraíza, e menos no que vencemos por sorte e circunstância. Venha, então, daí, o peido fundo, com ruído, incendiário dos feitos, menos dos erros, um peido que acerte na rede, que não se fique pelo cheiro.

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