Prudência de Draghi não evita nervosismo dos mercados

Fórum do BCE em Sintra debateu como sair do ambiente de produtividade e investimento baixos, agora que a economia dá sinais de retoma.

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LUSA/ANTONIO COTRIM

Se dúvidas ainda houvesse, Mario Draghi teve a prova definitiva em Sintra que não irá ser fácil ao Banco Central Europeu (BCE) recuar da sua política expansionista sem gerar variações drásticas e perigosas de confiança nos mercados.

Apesar de, no seu discurso de abertura do Fórum do BCE que decorreu nos últimos três dias em Sintra, ter repetido em diversas ocasiões a intenção do banco central de ser “prudente” na retirada dos estímulos à economia da zona euro, a reacção imediata dos mercados foi a de quem acredita que se está agora mais próximo de uma viragem no rumo da política do BCE. O euro começou a apreciar-se face às outras divisas, atingindo na manhã desta quarta-feira um novo máximo do ano, de 1,1366 dólares e as taxas de juro das obrigações da generalidade dos países da zona euro subiram nos diversos prazos.

Estes desenvolvimentos nos mercados são uma consequência da expectativa de um início mais rápido do processo de redução das compras de dívida pública pelo BCE e, depois, da subida das taxas de juro.

Draghi, no seu discurso de terça-feira, tinha optado por transmitir duas ideias fundamentais. A primeira foi a de que a economia da zona euro está a recuperar, que o risco de deflação já não está presente e que o valor baixo da inflação será apenas temporário. A segunda, a de que enquanto não houver sinais claros de uma aceleração da inflação, será perigoso começar a retirar as medidas de estímulo, já que se corre o risco de tornar uma inflação baixa temporária em permanente. O melhor, disse, é ser “persistente” e “prudente”. Os mercados parecem ter dado mais importância à primeira mensagem do que à segunda, principalmente porque, pelo meio, Draghi explicou também que, à medida que a economia cresce, se o objectivo for manter o mesmo tipo de estímulo, é preciso ir reduzindo a dimensão das medidas.

O que é certo é que a reacção dos mercados não era a desejada pelo BCE. Esta quarta-feira, a agência Bloomberg noticia, citando três responsáveis do BCE que não identifica, que no banco central a reacção dos mercados é vista como um sinal da exagerada sensibilidade dos investidores a qualquer declaração relacionada com um futuro recuo na actual política monetária. E logo a seguir, o vice presidente do BCE, Vítor Constâncio, citado também pela Bloomberg, afirmou que as declarações de Draghi estavam “totalmente” em linha com a política que tem vindo a ser seguida, dizendo que a reacção dos investidores era difícil de compreender.

Na sequência desta notícia, os mercados corrigiram alguns dos movimentos verificados antes, registando-se um recuo no valor do euro e das taxas de juro da dívida. O que, de qualquer forma, ficou evidente é que o BCE vai continuar a ter de enfrentar o mesmo tipo de problemas já sentido pela Reserva Federal norte-americana, que por diversas ocasiões, à medida que foi ajustando a sua política, gerou momentos de forte instabilidade nos mercados, com os consequentes efeitos negativos na economia.

Esta quarta-feira, no último dia da conferência – que reuniu na Penha Longa alguns dos mais destacados economistas e responsáveis dos bancos centrais do mundo –, Mario Draghi optou por não dar uma resposta directa ao mercado. Na intervenção que teve no painel final, ainda repetiu a ideia de que a inflação baixa na zona euro era “temporária”. Mas focou a sua intervenção no tema central da conferência: porque é que o investimento e a produtividade estão a recuperar de forma mais lenta nesta crise do que em outras e o que é que pode ser feito para contrariar esse fenómeno.

O presidente do BCE disse estar confiante que à medida que a posição cíclica da economia melhora, se vai também assistir a um aumento da produtividade na zona euro, mas salientou que o problema não é apenas conjuntural e que “resolver a questão estrutural é mais complicado”.

O problema do investimento

Ao longo da conferência, foram apresentados estudos sobre estes temas. O francês Thomas Philippon defendeu que, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, há razões para acreditar que na zona euro a quebra do investimento será temporária, regressando-se à normalidade assim que a procura recuperar e o acesso ao financiamento for normalizado.

Sobre esta questão, o governador do banco central japonês deixou a experiência do seu país como aviso. “No Japão, os lucros voltaram, mas as empresas continuam a ser muito prudentes a investir. E o investimento tem sido mais em reparações do que em novo equipamento ou na mão-de-obra. As empresas ainda hesitam em assumir compromissos no longo prazo”, disse Haruhiko Kuroda.

O norte-americano David Autor calculou que os ganhos de produtividade que são gerados por alterações como a automação não resultam numa redução global dos empregos. Se é verdade que pode haver perdas de postos de trabalho nos sectores onde essa automação é feita, a tendência é para que esses ganhos permitam um aumento de consumo noutras áreas, criando aí novos empregos.

Outro economista francês, Philippe Aghion, mostrou que reformas estruturais no mercado de produtos, nomeadamente com uma redução da regulação, tornam mais eficazes as políticas monetárias expansionistas. E a italo-americana Mariana Mazzucato apresentou argumentos que apontam para a importância do Estado no estímulo à inovação, assumindo o papel de co-investidor junto com os mercados e traçando objectivos, como a resolução de questões ambientais .

Uma das discussões mais frequentes durante o Fórum foi a de saber se a retoma lenta a que se tem assistido se deve a um problema de oferta, em que o banco central pouco pode ajudar, ou de procura, que pode ser combatido por política monetárias expansionistas. Os participantes na conferência, numa resposta a um inquérito, disseram que os principais problemas estavam na acumulação de dívida (38%) e na escassez da procura (36%). Apenas 18% disseram que a questão estava do lado da oferta.

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