Concerto solidário arrecada mais de um milhão de euros para as vítimas de Pedrógão Grande

O espectáculo Juntos por Todos reuniu mais de 25 artistas no Meo Arena. Uma homenagem que serviu para continuar a angariar dinheiro para ajudar as populações afectadas pelos incêndios na região centro.

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Ao longo de toda a noite de terça-feira, 25 artistas nacionais passaram pelo palco da Meo Aren. Cerca de 14 mil pessoas encheram a sala lisboeta em nome da solidariedade para com as vítimas dos incêndios florestais na região centro. Na plateia figuraram personalidades como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes.

Num dos compassos de espera da iniciativa, Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu aos jornalistas o país que agora “foi capaz de se unir e de ser solidário" com as vítimas dos incêndios da semana passada. "Uma grande nação, uma nação muito unida, muito solidária e muito antiga".

Os lucros da iniciativa, que teve inicio pelas 21h, serão entregues à União das Misericórdias Portuguesas para reforço da ajuda às populações afectadas por aquela que é uma das maiores tragédias na história portuguesa.

As filas começaram cerca de duas horas antes de abrirem as portas da sala de espetáculos, às 17h. Aos pares ou em grupo, entre petiscos e refrescos, aguardavam para entrarem no edifício. O motivo para ali estarem? As respostas eram idênticas e com uma palavra sempre repetida: “solidariedade”. Os mais ousados confessavam que ouvir boa música era um extra.

Para Liliana Alexandre, vir a este concerto é mais do que ser solidário, é “transmitir esperança“. Natural de Castanheira de Pêra, viveu de perto o susto desta tragédia. Depois de uma visita à terra que a viu crescer, Liliana presenciou no regresso a Lisboa, onde reside, o “início deste flagelo”. “Era fumo por todo o lado, muita coisa a arder. Era o pandemónio”, descreve ao PÚBLICO. “A minha sorte foi voltar para trás.” Só aí teve percepção da dimensão do que se passava. Rezou por chuva, “uma salvação” — algo que não chegou. Agora, pede apenas solidariedade, conforto para aquelas populações. Decidiu, por isso, comprar o bilhete e marcar presença aqui. “Este concerto é uma forma de conforto para aqueles que ficam”, diz, é uma iniciativa que transmite uma energia positiva para que as vítimas desta tragédia ganhem coragem, “tenham esperança”.

Antes de o espetáculo começar, cerca de 14 mil pessoas aplaudem quando dois bombeiros entram na sala. Uma homenagem aos heróis que combateram contra as chamas que deflagraram e devastaram a região do Pinhal Interior.

A onda de solidariedade estendeu-se, desde os que se deslocaram à sala lisboeta até aos que acompanharam as transmissões televisivas, online e radiofónicas. Pela primeira vez, as televisões generalistas e as estações de rádio portuguesas juntaram-se numa emissão única. Em conversa com o PÚBLICO, o administrador do Grupo Renascença, José Luís Ramos Pinheiro, confessa acreditar que “os meios de comunicação envolvidos cumpriram o dever da comunicação, um dever que transcede (o dever) de meramente informar”. O balanço que faz desta acção conjunta dos vários meios de comunicação é positivo, justificando que “o evento foi uma expressão de uma enorme solidariedade de todo o país em prol das vítimas”.

A solidariedade não deve ser a única palavra de ordem. Rita Redshoes destacou, também ao PÚBLICO, a importância do “outro lado” deste espectáculo: “Se for só um evento solidário a missão não fica totalmente cumprida, também tem de ser um evento alerta”. “É importante olharmos para o lado bonito, mas também para o outro lado”, afirma. A cantora quer que sejam apuradas responsabilidades — porque “estarmos aqui hoje também tem um lado amargo. Há famílias destroçadas, pessoas que partiram e vidas completamente destruídas”. Rita Redshoes sublinha, no entanto, que todos os esforços conjuntos que contribuíram para organizar este concerto solidário a deixam extremamente contente e emocionada.

Uma mobilização que foi sendo destacada pelos artistas que subiram ao palco e que não deixaram de mostrar o seu apreço por verem a sala completa e o valor dos donativos a crescer à medida que a emissão decorria, graça às linhas telefónicas criadas para o efeito. No fim do concerto foi revelado que foram angariados 1,153 milhões de euros.

Em directo, o director da União das Misericórdias — à qual será entregue este dinheiro —, Manuel Lemos, prometeu “gastar cada cêntimo bem gasto”. “Posso garantir às pessoas que cada cêntimo vai ser bem gasto”, assegurou. A instituição deverá concluir esta quarta-feira o levantamento das necessidades de cada família.

O Ministério das Finanças também se aliou a esta causa, abdicando das receitas do IVA resultantes das iniciativas de solidariedade para com as vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande, tais como as linhas de valor acrescentado disponíveis durante o evento desta noite.  O valor resultante dessa parcela será posteriormente encaminhado para iniciativas de protecção civil e de solidariedade social que as envolva.

Uma sala que se encheu por todos

O espectáculo arrancou às 22h15 com a dupla de DJ BeatBombers. O alinhamento continuou por ordem alfabética, à excepção das duas duplas. Agir foi o primeiro dos 25 artistas a subir ao palco — fê-lo com Como ela é bela e pediu, em jeito de homenagem às vitimas, que a plateia ligasse as luzes dos telemóveis. Seguiram-se Amor Electro, Ana Moura, Aurea, Camané, Carlos do Carmo, Carminho, D.A.M.A, David Fonseca, Diogo Piçarra, Gisela João, Hélder Moutinho, João Gil, Jorge Palma, Luísa Sobral, Luís Represas, Matias Damásio, Miguel Araújo, Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Raquel Tavares, Rita Redshoes, Rui Veloso, Salvador Sobral e Sérgio Godinho.

Marisa Liz e Tiago Pais Dias, dos Amor Electro, foram dois dos impulsionadores do concerto. Em declarações ao PÚBLICO, a cantora reforçou a ideia da relevância da solidariedade entre empresas, artistas e produtoras para a concretização deste evento. A ideia partiu do promotor Vasco Sacramento, que no passado dia 18 anunciou no Facebook a intenção de fazer um concerto de apoio às vítimas dos incêndios florestais. Uma intenção que se concretizou esta terça-feira.

Ana Moura cantou Desfado, tema alegre escolhido com o propósito de dar alento ao centro do país. O convite para fazer parte do alinhamento foi aceite sem hesitações. “Não estão sozinhos!” — foi esta a mensagem que disse querer transmitir com a sua actuação. O fado continuou na voz de Carminho, que relembrou que o propósito do concerto era “ajudar a vida das pessoas que sozinhas não conseguem fazer a reconstrução”.

Dois dos grandes nomes masculinos do fado actuaram em dueto, Carlos do Carmo e Camané. Ao PÚBLICO, Carlos do Carmo frisou a importância de cantar para as vítimas desta tragédia: “'Por morrer uma andorinha não significa que acaba a Primavera'. Acima de tudo, este é um concerto que pretende transmitir esperança”. Quando questionado sobre o sentimento após a actuação, o fadista disse estar “contente” por poder participar numa iniciativa histórica — “Como eu nunca tinha visto. E isso são botijas de oxigénio para mim”.

Depois do fado, foi a vez de David Fonseca, músico de Leiria, cidade próxima da região onde deflagraram os incêndios florestais. Em declarações ao PUBLICO, afirmou estar sensibilizado com o envolvimento da comunidade e com a capacidade de ajudar, apontando a música como o factor de união. “A música tem o condão de unir as pessoas, de congregar, de promover o pensamento. Hoje foi um desses momentos.”

Gisela João deu o protagonismo da sua actuação aos bombeiros portugueses, pedindo como simbolismo à plateia que dançasse por eles.

Salvador Sobral encerrou o concerto de forma inesperada. Sentado ao piano, começou por tocar uma versão de A case of you, de Joni Mitchell. Uma surpresa amarga para o público que esperava ouvir de imediato Amar pelos dois. Assim que se começou a ouvir os primeiros acordes da canção vencedora da Eurovisão, o entusiasmo não ficou contido. O público assumiu-se como intérprete entoando a canção. A meio, o cantor surpreendeu a audiência com um inesperado gracejo: “Sinto que posso fazer qualquer coisa que vocês aplaudem. Vou mandar um peido para ver o que acontece.”

Os incêndios que deflagraram na região Centro no concelho de Pedrogão Grande, no passado dia 17, há mais de uma semana, provocaram 64 mortos e mais de 200 feridos.

Texto editado por Hugo Torres

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