Michel Temer vai à guerra para evitar ser julgado por corrupção

Com as acusações formalizadas pelo procurador-geral no Supremo, o Presidente brasileiro vai iniciar uma batalha judicial e política para salvar o seu mandato.

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A acusação do procurador-geral da República é sustentada por "ilações", diz Temer Reuters/UESLEI MARCELINO

Michel Temer tem a sua presidência em risco com a acusação por crimes de corrupção passiva formalizada pelo procurador-geral da República brasileiro, Rodrigo Janot, no Supremo Tribunal Federal (STF). Janot pede o fim do mandato de Temer, condenação judicial e o pagamento de uma indeminização. Do lado do Governo acusa-se o procurador e preparam-se as manobras políticas para evitar o julgamento.

Acompanhado por vários deputados da base aliada e ministros, Michel Temer dirigiu-se ao país para falar das denúncias de corrupção de que é alvo. "Sei quando a matéria tem fundamentos jurídicos ou não tem. A minha preocupação em relação à fundamentação jurídica é mínima", afirmou, explicando que a acusação preparada pelo procurador-geral da República carece de provas concretas e que é sustentada por "ilações" - "uma nova categoria no Código Penal", ironizou o Presidente. 

As acusações do procurador têm como base a delação dos donos do grupo JBS, Joesley e Wesley Batista, que entregaram à Justiça gravações de conversas onde o Presidente parece aprovar o pagamento de subornos. Além disso, suspeita-se que Temer recebeu 500 mil reais (140 mil euros) destes empresários para que fosse resolvida uma disputa relativa ao preço do gás fornecido pela Petrobras a uma empresa da JBS. A procuradoria diz ainda que este montante era apenas uma parcela dos 38 milhões de reais (cerca de 10,2 milhões de euros) que Temer aceitou receber, que seriam divididos por pagamentos semanais. Por isso, além da condenação e da perda do mandato, Janot exige que o Presidente pague uma indemnização de dez milhões de reais (cerca de 2,6 milhões de euros).

A sustentar esta acusação está, entre outras coisas, o facto de o ex-deputado e assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures, ter sido filmado em Abril pelas autoridades a sair de um restaurante de São Paulo com uma mala com 500 mil reais em dinheiro. O procurador garante possuir “provas abundantes”.

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Fim de um protesto contra Temer em São Paulo Nacho Doce/REUTERS

Na sua comunicação ao país, Temer aproveitou ainda para relembrar o caso do antigo braço-direito de Janot, Marcelo Miller, que deixou o Ministério Público para colaborar com a JBS, o mesmo grupo de onde partiu a delação que fundamentou o processo que envolve o Presidente. "Ganhou milhões em poucos meses nesta empresa. Garantiu ao seu novo patrão um acordo benevolente, uma delação que tire o seu patrão das garras da justiça. E tudo assegurado pelo procurador-geral", continuou.

Garantindo que a referida gravação é "ilícita", Temer diz que a "denúncia é uma ficção".

No inquérito policial que culminou nestas denúncias, Temer é ainda investigado por obstrução à justiça e participação em organização criminosa, mas ainda não foram feitas acusações sobre estes crimes. A PGR tem agora um prazo de cinco dias para apresentar novas denúncias, prazo que se iniciou nesta segunda-feira, dia em que foi entregue o relatório final da investigação da Polícia Federal.

Bom senso, pede FHC     

Num artigo publicado na Folha de São Paulo, o antigo Presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, faz um "apelo ao bom senso" e pediu que Temer convoque eleições gerais antecipadas e que se afaste do cargo. Segundo o mesmo jornal, esta declaração terá irritado, mas não supreendido, Michel Temer. A primeira reacção a este e outros apelos será a da contenção e silêncio.

Antes da reacção por parte do Presidente, a imprensa brasileira relatava já os preparativos da estratégia que seria aplicada pelo Governo para evitar a queda e condenação de Temer. E neste âmbito, serão abertas duas frentes de batalha: uma jurídica e outra política.

Como se percebeu na declaração de Temer, o Palácio do Planalto contesta os argumentos jurídicos de Janot, questionando a interpretação do procurador das partes da conversa gravada entre o Presidente e Joesley para, depois, defender que a acusação foi realizada sem prova e com base em deduções, lançando dúvidas sobre a perícia realizada pela Polícia Federal que concluiu que as gravações não foram editadas.

A outra frente será combatida no campo político, área para onde seguirá o processo. O próximo passo caberá à Comissão da Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), composta por 66 membros, que irá apreciar a denúncia. Neste processo será nomeado um deputado que ficará responsável pela elaboração do relatório sobre a acusação, e que vai recomendar que ela seja aceite ou não. A decisão deste relator passará depois pela votação dos membros da comissão.

Por isso, o Palácio do Planalto tenta já, segundo a imprensa brasileira, interferir na escolha do relator da comissão. De acordo com o Globo, a preocupação reside no presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco, que é do mesmo partido de Temer, mas que é visto como demasiado independente e crítico do Presidente. Em declarações ao mesmo jornal, Pacheco garantiu já que não vai permitir interferências do Governo e que cada deputado votará de acordo com a sua própria consciência.

As pressões dos líderes partidários ligados ao Governo já começaram, dá conta o jornal Estado de São Paulo. Os aliados do Presidente já terão contactado Pacheco para que seja escolhido um relator alinhado com o Planalto.

Mas, independentemente da decisão da comissão, a denúncia será sempre votada pela Câmara dos Deputados. Estes decidirão se o Presidente vai ser julgado pelo STF. Para que isso aconteça, é necessária a aprovação de uma maioria de dois terços (342 dos 523 deputados). A acontecer, Temer deixa o cargo por um máximo de 180 dias. O STF terá seis meses para julgar o caso. Se o Presidente for absolvido ou se o Supremo não completar o julgamento neste prazo, Temer regressa automaticamente à chefia do Governo.

Pelo contrário, se a Câmara não aprovar a denúncia, o caso é arquivado.

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Michel Temer quer pôr em causa o procurador geral Rodrigo Janot Ueslei Marcelino/REUTERS

Na Câmara dos Deputados joga-se muito do futuro de Michel Temer. Mas aqui, apesar da imprevisibilidade que caracteriza este órgão, o Planalto mantem a confiança de que o partido do Presidente, o maior do Brasil, juntamente com a sua base aliada, são suficientes para evitar que o chefe de Estado se sente no banco dos réus. Isto porque, de entre uma coligação de apoio de cerca de 400 deputados, o Presidente brasileiro necessita que apenas 172 votem contra as denúncias do procurador-geral ou que se abstenham. 

O Presidente pode tentar ainda influenciar a condução do processo é a escolha do sucessor do actual procurador-geral. Isto porque o mandato de Janot termina em Setembro. Esta terça-feira, espera-se ainda que o Ministério Público apresente três nomes para ocupar a posição que Janot deixará vaga e Temer poderá anunciar já a sua escolha para criar, dessa forma, uma "sombra" em redor do procurador e condicionar a sua actuação. Apesar de tudo, o nome do novo procurador terá de ser aprovado pelo Senado e apenas depois do fim do mandato do actual.

Lula e Dilma comentam

 A apresentação da denúncia contra o Presidente Temer motivou as mais variadas reacções, e outro ex-Presidente, Lula da Silva, acusado em cinco processos por corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça, mas ainda assim pré-candidato e favorito para as próximas presidenciais, em 2018, não se coibiu. Lula afirmou que é preciso investigar o que há contra Temer, para “saber se são verídicas as denúncias”, citou-o o jornal Estado de São Paulo. “Se tiver provas concretas, Temer não tem como continuar”, afirmou.     

Dilma Rousseff, afastada do cargo em 2016, sob acusação de manipulação orçamental, e substituída então pelo seu vice, Michel Temer, usou as redes sociais para comentar a denúncia. "Resultado do Golpe de 2016: deixar o País nas mãos do único presidente denunciado por corrupção", 

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