Requalificação de estrada em Beja coloca a descoberto necrópole romana

Foram identificados três sarcófagos datados do século V e sepulturas do século II com sinais de vandalização e muito afectados pelo tráfego rodoviário de grande tonelagem.

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Miguel Manso
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Não é frequente o aparecimento de sarcófagos na região alentejana mas, na cidade de Beja, acaba de ser descoberta uma necrópole romana com este tipo de estruturas funerárias durante os trabalhos de requalificação da rua que dá acesso à antiga zona industrial da cidade.

Miguel Serra, o arqueólogo que coordena o levantamento dos novos achados arqueológicos, admite, numa primeira análise, que as estruturas funerárias (14 sepulturas e três sarcófagos), estão datados de entre os séculos II e V da nossa era. Algumas ainda preservam esqueletos com uma estatura média de 1,60 metros, com excepção de um indivíduo com cerca de 1,80 metros e uma constituição óssea que indicia estar-se perante alguém que desenvolveu esforços físicos continuados.

No interior dos sarcófagos, revestidos a placas de mármore com três centímetros de espessura, “não foi encontrado espólio da época romana”, adiantou ao PÚBLICO o arqueólogo. As escavações estão a decorrer num talude onde vai ser erguido um muro de suporte de terras do novo traçado da Rua da Lavoura que dará acesso ao IP8.

No interior das sepulturas e dos sarcófagos, Miguel Serra diz terem sido encontrados “alguns esqueletos que foram remexidos e revolvidos”, presumindo que vandalização da necrópole tenha ocorrido há muitos séculos. A sua disposição apresenta enterramentos com os pés virados para Este e cabeça para Oeste, e encontram-se distanciados entre si de forma regular. A necrópole tem dois núcleos diferenciados.

Num dos sarcófagos pode observar-se um buraco aberto no tecto da estrutura por onde terá sido consumada a vandalização dos despojos humanos, pormenor que explicará a ausência de espólio que geralmente acompanhava a deposição dos corpos na altura do seu enterramento.

Para além do impacto (aluimento de componentes estruturais) provocado, durante décadas, pelo tráfego de viaturas pesadas que utilizavam a rua da Lavoura por esta dar acesso a uma zona industrial de moagem de cereais, algumas das sepulturas e sarcófagos agora descobertos foram parcialmente destruídos pelas máquinas que intervieram há cerca de duas semanas no talude onde se encontra a necrópole romana.

A área que poderá estar ocupada por enterramentos tem uma extensão calculada entre quatro a cinco hectares. Da sua existência naquele local já existem registos que remontam a 1892, como noticiou o jornal O Bejense a 17 de Dezembro daquele ano. Bernardo António dos Santos, gerente da então Companhia da Moagem e Massas de Beja, na rua da Lavoura, ofereceu ao Museu Municipal de Beja um marco funerário descoberto no decorrer de trabalhos de escavação na zona industrial. O seu assentamento seria composto por uma “caixa em argamassa” onde permaneciam, no seu interior, “restos osteológicos (ossos), salienta ainda O Bejense.

No ano seguinte, o mesmo jornal refere o aparecimento de mais um marco funerário no largo da Igreja de Ao Pé de Cruz, a cerca de 300 metros do local onde agora se descobriu a necrópole romana. Nesse local, foi identificada uma sepultura coberta interiormente com placas de mármore e apresentando “uma métrica e aparelho construtivo muito semelhante a um dos sarcófagos” agora descobertos, refere Miguel Serra.

Em 2003, é a vez da arqueóloga Conceição Lopes identificar, na sua tese de doutoramento, a existência de uma necrópole romana junto à estação de caminhos-de-ferro de Beja, nas proximidades da Rua da Lavoura. Mais recentemente, em 2016, no decurso da requalificação de uma rua que termina no Largo da Estação, foram identificados “alguns restos osteológicos dispersos”.

Miguel Serra acrescenta que as estruturas funerárias identificadas desde 1890 em toda esta área “têm a mesma orientação e estão espaçadas regularmente”, admitindo que possam pertencer à mesma necrópole romana.
 

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