"Brexit" será sinónimo de “fuga de cérebros”

Metade dos trabalhadores europeus qualificados a viver no Reino Unido admite deixar o país nos próximos cinco anos, segundo a consultora Deloitte.

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Pormenor de um mural inspirado no "Brexit", feito durante a noite de 7 para 8 de Maio, num edifício em Dover. Na imagem vê-se um trabalhador a desfazer uma estrela da bandeira da União Europeia. O autor da pintura é Banksy, artista que confirmou a paternidade da obra deixada perto do terminal de barcos que ligam Inglaterra e a Europa continental LUSA/GERRY PENNY

É um cenário difícil para uma economia que se quer competitiva, mas nada que não se temesse depois do voto britânico que impõe a saída do Reino Unido da União Europeia: cerca de metade dos trabalhadores europeus mais qualificados a trabalhar no Reino Unido admite deixar o país nos próximos cinco anos, segundo um novo estudo da consultora Deloitte, que avalia o impacto do “Brexit” no mercado de trabalho.

O estudo da consultora, revelado nesta terça-feira de manhã e divulgado pela imprensa britânica, sugere que 47% dos cidadãos de outros países, altamente qualificados e que trabalham e vivem nas ilhas, pretendem deixar o país, como noticia o The Guardian.

Esta proporção é mais elevada entre os trabalhadores com mais qualificações, nota o mesmo diário londrino, porque quando se alarga a análise a todos os trabalhadores estrangeiros no Reino Unido, independentemente da sua qualificação, a taxa dos que admitem deixar o país é menor: 36%.

Como tal, há no horizonte “consequências sérias para os empregadores”, afirma a Deloitte, o que aumenta a pressão sobre o governo de Theresa May – que acaba de fechar um difícil acordo de governo com os unionistas irlandeses. É necessário encontrar “um plano razoável para a imigração” e “aumentar a qualificação dos trabalhadores britânicos”, porque estão em causa 1,2 milhões de postos de trabalho.

O estudo Power Up, The UK Workplace mostra que o mercado laboral do Reino Unido está a perder brilho aos olhos dos estrangeiros. Basta olhar para o resumo dos pontos-chave, com base nas respostas de 2000 trabalhadores estrangeiros, metade vivendo no Reino Unido e outra metade fora:

  • O Reino Unido é, globalmente, o destino favorito dos estrangeiros, à frente dos EUA, da Austrália e do Canadá – quase nove em cada dez inquiridos classificam o mercado do Reino Unido como “atractivo ou muito atractivo”;
  • A quantidade de oportunidades e a diversidade são vistas como pontos fortes desse mercado laboral;
  • O “Brexit” mudou as percepções, e o desencanto é maior quanto mais perto estão do Reino Unido – para aqueles que vivem fora, 21% acham agora que este mercado perdeu interesse, comparado com 48% dos que vivem no Reino Unido;
  • No global, 36% dos inquiridos que vivem no Reino Unido estão a pensar em sair dentro de um prazo de cinco anos;
  • Os trabalhadores qualificados são os mais propensos à saída: 47% admitem mudar de país nesse mesmo horizonte temporal;
  • Há diferenças regionais e sectoriais: na região norte, há menos gente a pensar em rumar a outras paragens do que em Londres (21% contra 59%);
  • O Reino Unido pode enfrentar uma escassez de recursos qualificados – a mobilidade é maior entre trabalhadores com mais competências e, por isso, é provável que no curto prazo seja ainda mais necessário e difícil preencher lugares que eventualmente fiquem vazios;
  • Há uma ligação entre a concentração de trabalhadores estrangeiros em certos sectores de actividade e a probabilidade de nesse sector ser introduzida ou desenvolvida a automação;
  • Os sectores com o maior número de trabalhadores não-britânicos são aqueles com o maior potencial de automação.

Face a este cenário, a Deloitte faz quatro recomendações:

i. a criação de um novo quadro legal para a imigração que reconheça e preveja a escolha de talentos internacionais;

ii. o reforço do investimento na qualificação da actual e futura mão-de-obra;

iii. a aposta no digital e o investimento em tecnologia que permita automatizar tarefas repetitivas;

iv. uma estratégia de base regional que permita responder localmente aos diferentes cenários.

Na segunda-feira, Theresa May anunciou que os cidadãos europeus a viverem no Reino Unido há pelo menos cinco anos terão "os mesmos direitos" que os cidadãos britânicos, no que respeita aos cuidados de saúde, educação, benefícios e pensões, mesmo após o "Brexit". Aliás, nesta terça-feira, o governo britânico publica em diferentes jornais europeus, incluindo o PÚBLICO, um artigo de opinião do ministro britânico com a pasta do "Brexit", David Davis, intitulado "Um futuro com mais certezas para os nossos cidadãos", em que este afirma: "Pretendemos garantir o estatuto dos cidadãos da UE que já vivem no Reino Unido e permitir-lhes que continuem a viver as suas vidas sem alteração significativa. Trataremos os cidadãos da UE de forma igual e não iremos discriminar entre cidadãos de diferentes Estados-membros."

Esta proposta – divulgada depois da assinatura do acordo que dá ao governo de May o apoio do DUP da Irlanda do Norte (elegeu dez deputados) –, será levada para as negociações com Bruxelas para a saída do Reino Unido da UE. No site oficial do gabinete da primeira-ministra, o executivo britânico publicou a proposta na íntegra.

Quanto aos europeus que residam no país há menos de cinco anos, e que cheguem antes do fim da data limite para assegurar os direitos adquiridos, que ainda não foi determinada, poderão permanecer no Reino Unido até que completem os cinco anos de residência. Só depois efectuarão o pedido para obter o estatuto equivalente ao de cidadãos britânicos.

Se não tiverem a situação regularizada a partir do momento da consumação do “Brexit”, terão um prazo de dois anos – denominado "período de graça" – para o fazer. Isto significa, segundo a primeira-ministra, que nenhum europeu será forçado a deixar o país antes de 29 de Março de 2019, a data-limite para o fim das negociações e o dia em que termina formalmente o processo relativo à saída do Reino Unido da União Europeia.

Jeremy Corbin, líder do Partido Trabalhista inglês, classificou a proposta dos Tories como "tardia" e nada atractiva. "Não é uma oferta generosa", disse Corbyn, que ajudou a tirar a maioria absoluta ao Partido Conservador nas recentes eleições gerais antecipadas.

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