FCT dispensa dois doutorados que lhe dão apoio técnico

Entidade pública entende que ligação a centros de investigação viola exclusividade. Sindicato do Ensino Superior fala em “retaliação” por críticas feitas no Parlamento.

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Os bolseiros trabalhavam no núcleo da FCT que avalia candidaturas ligadas à investigação científica MARIA JOÃO GALA

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) vai cancelar as bolsas a dois bolseiros de gestão de ciência, trabalhadores doutorados que lhe prestam apoio técnico na análise de candidaturas, por violação do dever de exclusividade que lhes está imposto. Estas pessoas mantêm filiações em centros de investigação, o que é considerado irregular por aquele organismo público tutelado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Os bolseiros em causa garantem que esse nunca tinha sido o entendimento da FCT, que exigia apenas que as funções paralelas não fossem remuneradas, algo que sempre respeitaram.

Há dois meses, a FCT abriu um processo de averiguação a cinco bolseiros que trabalham no núcleo de apoio à avaliação de candidaturas de projectos científicos e mantinham actividade de investigação em unidades de investigação financiadas pela FCT. Esta segunda-feira a FCT comunicou-lhes o cancelamento de duas das cinco bolsas. Segundo a fundação pública, um dos casos configurava uma “violação do dever de dedicação exclusiva e potencial conflito de interesses” e outro “violação do dever de dedicação exclusiva e efectivo conflito de interesses”. O cancelamento das bolsas terá efeitos a partir do final de Setembro. Os restantes três processos foram arquivados.

O processo foi espoletado pelo facto de a FCT ter recebido um pedido de um financiamento “do qual era signatário um colaborador da fundação”, revela a coordenadora do gabinete de comunicação da fundação, Renata Ramalho, num esclarecimento escrito enviado esta terça-feira ao PÚBLICO. A situação era “agravada” por haver “um possível conflito de interesses, tendo em conta as funções realizadas na fundação pelos bolseiros”.

Em causa estava o facto de estes bolseiros de gestão de ciência pertencerem todos ao Núcleo Técnico de Apoio à Avaliação, uma unidade especializada que dá apoio aos painéis de avaliação dos concursos individuais de bolsas e dos concursos de projectos de investigação científica, pelo que intervinham nas candidaturas de centros de investigação “concorrentes” daqueles com os quais mantinham vínculos.

Bruno Béu, um dos bolseiros agora dispensados, confirma que, em 2014, o centro de investigação de que faz parte integrou o seu nome na lista de investigadores que sustentavam a candidatura apresentada ao concurso de centros de investigação. “Na altura informei o meu superior e não tive qualquer contacto com o processo. Só soube do resultado, que foi positivo, quando ele se tornou público”, conta ao PÚBLICO.

Foi este o caso que levou a FCT agora a cancelar a bolsa a Bruno Béu e a uma outra colega, mas Béu garante que não é o único dentro da fundação a estar nas mesmas circunstâncias. Além disso, o seu trabalho no centro de investigação foi sempre feito depois do horário de trabalho na FCT e sem qualquer tipo de remuneração. “Até agora o entendimento tinha sido sempre que a exclusividade só era quebrada quando havia vencimento”, afirma.

Os cinco bolseiros trabalham na FCT desde há três a cincos anos. A equipa de que fazem parte está na dependência directa do presidente da FCT, Paulo Ferrão, que é formalmente o orientador destes bolseiros.

O Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup) relaciona estes despedimentos com a recente discussão parlamentar do diploma de emprego científico. Os dois bolseiros foram ouvidos no Parlamento como representantes dos bolseiros de gestão de ciência e terão feito críticas à gestão da FCT. “A intimidação é clara. Estamos a falar de pessoas altamente qualificadas que são sancionadas por participarem nas negociações no Parlamento. Trata-se de retaliar sobre o exercício da cidadania”, acusa o presidente daquela estrutura sindical, Gonçalo Leite Velho. O Bloco de Esquerda também entregou um pedido de audição do presidente da FCT no Parlamento, na sequência deste caso.

A FCT recusa a acusação e garante que estes processos “são independentes de qualquer eventual participação de bolseiros em reuniões fora da FCT”. “A participação em actividades cívicas é um direito que a FCT reconhece, respeita e apoia, e com o qual jamais interferiria”, acrescenta a fundação pública que financia o sistema científico português. “Essa participação não pode, contudo, representar um impedimento às averiguações que se mostrem necessárias.”

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