“Meninos, juízo” e “nada de desviar as atenções do que é essencial”

Em 2016, a Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, ficou em 31.º lugar no ranking de Matemática. Ontem, no fim do exame, a expectativa era de que este ano vai ser ainda melhor.

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Miguel Manso
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A tranquilidade, por mais que se recorresse ao disfarce, não estava presente nas expressões da maioria dos 70 alunos que ontem de manhã prestaram provas de Matemática A, do 12.º ano, na Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja. O modo de sorrir, os movimentos das mãos, o cirandar sem destino revelavam ao que iam.

Maria abraçava Zé Pedro, desejando-lhe boa sorte, quando a “sinistra” campainha tocou a chamar os alunos para o “sacrifício”. Rui apontou um dedo à cabeça e disse ao amigo que o acompanhava: “Desliga.” Como quem diz “desliga de pensamentos menos apropriados ao momento”.

Com outros modos e palavras, João Martins, habituado “a bater no 20” em Matemática, procurava transmitir confiança aos que se revelavam menos seguros das suas capacidades. A esmagadora maioria, cerca de meia centena, são da área de ciências, e receberam uma pesada herança: em 2016, a escola dos “doutores”, como é designada em Beja, obteve 13,7 valores, a média mais alta a Matemática A em toda a região do Alentejo e a 31.ª mais alta a nível nacional. Ontem foi dia de prova. Realizaram-na 48.500 alunos em todo o país.

O PÚBLICO esteve na Secundária Diogo de Gouveia ainda antes do exame começar. A professora Esmeralda Loureiro, que há dias teve o seu jantar de despedida da docência, por ter atingido o limite de idade, está prestes a concluir a derradeira prova de exames da sua carreira, e expressa uma última advertência: “Meninos, juízo” e “nada de desviar as atenções do que é essencial”.

“Se os alunos pensarem, são capazes de se safar” observa, enquanto acompanha, atenta, a  chamada dos estudantes para a prova.

Pedro Lança, de 18 anos e com uma estatura que estará nos 1,80 metros, garante ao PÚBLICO que a sua cabeça “está descansada”. Limitou-se a fazer “a revisão de matérias esquecidas”, está consciente das suas capacidades. Diz que Matemática é a disciplina de que mais gosta desde o 1.º ano. A partir do 7.º, teve a sorte de encontrar uma professora que o “marcou e reforçou” o “gosto pela matemática”. Beneficiou ainda de um percurso escolar no qual houve sempre a preocupação de iniciar o novo ano fazendo uma revisão da matéria do ano anterior.

O seu amigo João Martins, de 17 anos, há muito que escolheu o seu método de estudo, que não passa por estudar “até às tantas da madrugada” em véspera de exame. Aliás, até faz questão de manter actividade desportiva. “Acordo cedo, ando de bicicleta e depois vou estudar”, descreve ele ao PÚBLICO. “Rende mais se tivermos um dia a dia descontraído”, acrescenta. 

Uma turma das melhores

Margarida Pereira, também com 17 anos, tem o hábito de se “juntar aos alunos mais fracos da turma” e estudar com eles na biblioteca da escola, afirmando, categórica, que “não há concorrência feroz entre os colegas”. E realça um factor que considera decisivo na classificação da escola no ranking nacional. A média alta foi alcançada “porque todos os colegas perseguiram os mesmos objectivos”, a melhor classificação possível.

João Martins garante: “Temos uma das melhores turmas de toda a escola”, partilhando da mesma análise da colega Margarida: “Puxamos uns pelos outros, recuperamos os que têm mais dificuldades”.

O professor de Matemática António Caldeira salienta a importância de ter um quadro de docentes na disciplina “consistente e estável”. Comparando com a situação vivida há duas ou três décadas, recorda que, naquele tempo, “não havia professores licenciados em Matemática, só em Engenharia Civil, Gestão e Economia”. Hoje, a Secundária Diogo de Gouveia — que no ranking geral, feito com base nas notas das disciplinas com mais alunos, alcançou, em 2016, a 146.ª posição nacional, em cerca de 600 escolas — só tem professores licenciados em Matemática, com uma excepção: Esmeralda Loureiro, que dá aulas desta disciplina neste estabelecimento de ensino desde 1981. É formada em Engenharia Civil na Universidade de Coimbra.

Com ar de quem tem dificuldade em dispor de um momento livre em dia de exame, o subdirector da escola, José Manuel Ferro, descreve ao PÚBLICO o “grau de exigência” que é solicitado a quem faz a gestão do agrupamento. A Diogo Gouveia termina o ano lectivo 2016/17 com 794 alunos e convicta de que “ainda há muito trabalho a fazer” para aumentar o número dos que chegam ao 12.º com percursos limpos. Em 2015/2016, segundo dados do Ministério da Educação, a percentagem de estudantes com os chamados “percursos directos de sucesso” — nunca chumbaram no 10.º e 11.º e obtiveram positiva nos exames do 12.º ano — foi de 37%. O que está acima da média do observado noutras escolas com características semelhantes.

Um beijinho para a Leninha

Entretanto, enquanto no exterior das salas de exame o tempo demora uma eternidade a passar, os examinados vêem os ponteiros do relógio a movimentar-se “mais depressa” do que é costume.

Rui é dos primeiros a sair. “Está feito!”, remata, conformado. Uma aluna ansiosa procura o apoio de Esmeralda Loureiro. A professora percorre com um olhar o conteúdo da prova feita e reage, eufórica: “Erraste apenas uma.” Um beijinho e um abraço da professora “para a Leninha”.

Os alunos aparecem como quem precisa de respirar depois de três sufocantes horas, mas uma jovem visa a docente com uma observação crítica: “Os seus testes são muito mais difíceis, professora.” A resposta veio pronta: “De facto, nós somos mais forretas.”

Outros saem em passo acelerado e nem querem saber se acertaram ou erraram. Mas parece que os alunos “pensaram bem” e “provavelmente, teremos uma boa prova e boa classificação no ranking do próximo ano” antevê Esmeralda Loureiro.

Margarida Pereira diz que a prova foi “acessível”. Desta forma, “tudo indica” que possa vir a ter um bom resultado. Houve uma outra questão mais difícil, mas, no geral, não encontrou grande dificuldade. Pedro Lança está agastado com uma escolha múltipla, que não lhe vai permitir atingir o 20. “É assim a vida”, lamenta, resignado.

As primeiras impressões foram boas para João Martins. O exame foi dentro daquilo que estava à espera, com uns exercícios mais difíceis e outros mais fáceis. “Mas acredito num bom resultado”, confia João, que teima em distribuir sorrisos e gestos de afecto aos colegas que pensam ter sido menos afortunados.

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