Carta aberta ao primeiro-ministro de Portugal

Não posso deixar de sentir um peso particular pela tragédia que ocorreu no incêndio de Pedrógão Grande.

Peço-lhe que desconsidere, se tal lhe for possível, o facto de o signatário desta carta ter sido secretário de Estado das Florestas (e do Desenvolvimento Rural) do Governo que antecedeu aquele a que V. Exa. preside (o XIX, já que o XX só contou para as estatísticas). E peço-lho apenas para que me possa ler liberto de qualquer estigma partidário que, asseguro-lho, não me move nesta matéria.

Não tenho por hábito “sacudir a água do capote” e, como tal, não posso deixar de sentir um peso particular, enquanto ex-titular daquela pasta, pela tragédia que ocorreu recentemente no incêndio de Pedrógão Grande. Já publicamente me penitenciei por não ter tido a força, o engenho e a arte para fazer melhor quando tive essa oportunidade. Garanto-lhe que tentei com todas as minhas forças! Dito isto, gostaria de lhe deixar algumas simples sugestões, que espero possam contribuir para as suas decisões sobre esta matéria. Se forem boas, espero que as utilize. Se entender que são inúteis, restar-me-á agradecer-lhe o tempo que gastou ao lê-las.

1. Resista a pensar que o “problema” e a sua resolução são matéria exclusiva da Proteção Civil e do “combate”, pois a realidade dos incêndios florestais dos últimos anos desmenti-lo-á. Não basta apregoar a importância da prevenção: é urgente alocar-lhe meios robustos. Concentre-se nisto.

2. Reúna, longe dos holofotes e sob compromisso de reserva, os titulares da pasta das Florestas e da Administração Interna (os secretários de Estado, já que juntar ex-ministros não deve ser fácil) dos diversos Governos dos últimos 14 anos, cobrindo todos aqueles que assumiram responsabilidades desde o ano de 2003 (o primeiro dos anos fatídicos em matéria de incêndios) e peça-lhes uma opinião sobre o que há a fazer em matéria de “Política de prevenção e combate a incêndios florestais” e, o que não é o mesmo, em matéria de “Política de defesa da floresta contra incêndios”. Sou dos que acreditam, por princípio e ao contrário do que nestas horas se houve à boca cheia, na capacidade daqueles que foram escolhidos para desempenhar cargos governativos. Aflige-me o desaproveitamento da experiência que foi paga com o erário público.

3. Faça o mesmo com alguns “sábios” (sem qualquer ironia no termo) em matéria florestal, em matéria de ecologia e gestão do fogo e em matéria de proteção civil. Se entender útil, disponibilizo-lhe uma lista de uma dezena de nomes: académicos, técnicos de empresas privadas, funcionários públicos. Uma lista politicamente insuspeita, do Partido Comunista ao CDS. Ficará surpreendido, ou talvez não, com alguns consensos que existem sobre estas matérias, desde que discutidas longe dos holofotes da imprensa.

Peça, a cada um destes dois grupos, que produza um documento com um máximo de dez páginas (há que limitar a retórica inútil) sobre o que há a fazer, juntando a experiência de quem teve que “gerir” épocas de incêndios florestais com a “sabedoria” de quem cientificamente conhece algumas das soluções.

Por temer que V. Exa. possa não ter disponibilidade para seguir estas minhas humildes sugestões, aqui ficam algumas pistas, limitadas no seu âmbito, para sua reflexão:

  • separe a defesa das pessoas e bens (muito bem entregue aos bombeiros voluntários) do combate aos incêndios florestais; como temos ouvido (e bem), o incêndio florestal só é combatido de facto (numa lógica de proteger a floresta) depois de garantida a prioridade da salvaguarda das pessoas; será que a floresta não merece que a protejam?
  • aposte na criação de uma estrutura única e profissional, multidisciplinar e operacional, com os recursos humanos, materiais e financeiros adequados, dedicada 12 meses por ano à prevenção e combate; para o efeito pode consultar os estudos técnicos que lhe foram entregues em 2006 (que serviram parcialmente de base ao PDFCI), pois está lá tudo; em momentos críticos como os que ciclicamente se vivem nesta matéria, estamos a travar uma verdadeira guerra e as guerras não se ganham com voluntarismos nem com heróis.
  • leve a sério a necessidade de uma campanha de sensibilização massiva e nacional sobre negligência e comportamentos de risco da população; a maioria esmagadora das ignições todos os anos tem esta origem, como poderá verificar nos dados publicados pelo ICNF sobre investigação das causas dos incêndios; se o fogo não começar, não alastra.
  • atue ativamente para não estigmatizar nenhuma das espécies florestais, nomeadamente o eucalipto; usando uma frase de um dos sábios que atrás referi, “o que comanda o fogo é a estrutura dos combustíveis e não a espécie dominante”; se estivéssemos no ponto de discutir a importância das espécies nesta matéria (e estamos tão longe disso!), era sinal que o essencial tinha sido feito; fuja de respostas fáceis e de lugares comuns como este, que não se baseiam no “conhecimento”, principio que V. Exa. tanto tem reivindicado noutras circunstâncias como forma de guindar a sociedade portuguesa a patamares civilizacionais mais elevados.

Por aqui me fico, pois aprendi que uma página A4 é o que se pode exigir a um ministro (neste caso, primeiro) que leia. Desejo-lhe o maior sucesso, a bem dos portugueses, da floresta e do país.

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