Desfecho da “lista VIP”: sindicato questiona idoneidade do fisco na luta contra a fraude

Processos disciplinares a ex-dirigentes foram arquivados. “Nem o Omo lava mais branco do que isto…”, reage o presidente do sindicato dos trabalhadores.

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José Maria Pires, ex-subdirector-geral da AT, foi quem autorizou o sistema de alarme miguel manso

São acusações duras as que o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) faz à direcção-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pelo arquivamento, há duas semanas, dos processos disciplinares aos ex-dirigentes e chefias do fisco que estiveram envolvidos, directa ou indirectamente, na criação da controversa “lista VIP” de contribuintes.

Na origem da polémica está o sistema de alarme que durante alguns meses de 2014 e 2015 foi testado na área da segurança informática do fisco, permitindo saber internamente, quase em tempo real, quem consultava os dados fiscais de quatro políticos: Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Paulo Núncio e Cavaco Silva. Um mecanismo que a Inspecção-geral de Finanças (IGF) concluiu há dois anos ter sido criado de forma arbitrária, sem fundamentação “de facto e de direito” dos motivos e dos critérios para o “tratamento específico e privilegiado” das informações fiscais de apenas quatro cidadãos.

O arquivamento, noticiado nesta sexta-feira pelo Diário de Notícias, é para o presidente do sindicato, Paulo Ralha, um “verdadeiro milagre” por "branquear" os nomes apontados pela própria IGF como responsáveis, por acção ou omissão, pela “lista VIP”. Em causa estão quatro pessoas: o ex-subdirector-geral José Maria Pires, que autorizou o funcionamento do sistema num dia em que o director-geral estava ausente, o próprio ex-director-geral António Brigas Afonso e dois outros funcionários, a coordenadora da área dos sistemas de informação, Graciosa Martins Delgado, e o chefe de equipa da área da segurança informática que lhe respondia, José Morujão Oliveira. “Nem o Omo lava mais branco do que isto…”, reage Paulo Ralha, pegando numa célebre campanha publicitária de uma conhecida marca de detergente para a roupa para descrever a actuação da AT.

Se há dois anos a IGF recomendou que fossem ponderados processos disciplinares aos quatro funcionários por causa de condutas “susceptíveis” de violar, em diferentes graus, deveres profissionais previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o entendimento que a AT faz do caso é o oposto: os visados agiram no cumprimento dos seus deveres de protecção de dados.

“Foi criado um mecanismo desta natureza e não há responsáveis”, insurge-se Paulo Ralha, considerando que quem fica em xeque é a própria AT. “A situação é absolutamente Kafkiana, põe em causa o princípio da igualdade, os princípios da democracia, e no final não há responsáveis”, acusa, lembrando que a mesma instituição que agora arquivou os processos dos dirigentes aplicou sanções a alguns funcionários (repreensões escritas suspensas por seis meses ou um ano) por terem consultado informações fiscais de figuras públicas, mesmo não se verificando violação da protecção de dados.

O sindicalista diz estar em causa o papel da AT como garante da igualdade entre os contribuintes: “Uns tinham mais direitos do que os restantes – isso é inadmissível em democracia. É absolutamente inacreditável que não haja consequências”. E vai mais longe, falando no “descrédito total” das instituições. “Que idoneidade tem [a AT] para fazer o que quer que seja no combate à fraude e evasão fiscal?”, interroga-se.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a justificação invocada para cada um dos dirigentes e funcionários, o Ministério das Finanças não respondeu. Dos quatro visados, a IGF concluiu que Brigas Afonso, o então director-geral, não interveio directamente na decisão de se criar este sistema de alarme, mas que não actuou com zelo quando prestou informação a Paulo Núncio “sem consistência com a realidade”: disse que não havia a lista depois de ter mandado cancelar o funcionamento deste sistema.

O caso da “lista VIP” foi investigado pelo Ministério Público, mas para apurar se teria havido crimes relacionados com a violação da protecção de dados, acabando por ser arquivado por falta de prova, sem que o DIAP de Lisboa tenha ouvido José Maria Pires, Graciosa Martins Delgado e António Brigas Afonso, inquirindo apenas Morujão Oliveira.

Paulo Ralha teme, agora, que não venham a ser apuradas responsabilidades noutro caso que envolve a AT, dos 10.000 milhões de euros de transferências para offshores que não foram correctamente processadas no sistema de informação central: “Já se está a adivinhar que a culpa vai ser da ficha eléctrica”.

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