Estudo diz que doentes com VIH falham consultas por motivos financeiros

Estudo apresentado nesta terça-feira diz que o estigma associado à doença ainda leva a que muitos doentes não compareçam nas consultas.

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Um dos objectivos da OMS é ter mais de 90% dos doentes com níveis de vírus indetectáveis Reuters/JON WOO

Os problemas financeiros são um dos principais motivos que levam os doentes com VIH/sida a falhar as consultas de especialidade para tratar esta doença. Mas há mais causas: por vezes estas pessoas não são referenciadas para as consultas de forma adequada, uma vez que nem sempre se tem em consideração factores como o estigma e as questões de apoio social e familiar associadas à doença. Estas são as principais conclusões de estudo sobre o VIH/sida, apresentado nesta quinta-feira, em Lisboa.

O trabalho "Valor em Saúde: O Caso VIH/Sida", da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, pretendeu identificar os constrangimentos e estratégias no percurso do doente com VIH/sida. As conclusões indicam que estes constrangimentos estarão na origem dos obstáculos para atingir o objectivo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 90-90-90 para o VIH/SIDA: 90% dos doentes diagnosticados, 90% dos doentes em tratamento e 90% dos doentes tratados com carga viral indetectável.

Segundo o estudo, em Portugal "resultados recentes indicam que 91,3% das pessoas infectadas foram diagnosticadas", o que atinge a primeira meta 90. Contudo, os mesmos dados referem que 78,4% dos doentes tratados têm carga viral indetectável, um valor "problemático". "Relatos de profissionais, doentes e membros de organizações não-governamentais deixam suspeitar que a referenciação dos casos detectados seria muito imperfeita em Portugal", lê-se no estudo. 

Ao longo da investigação, foi realizado um mapeamento do percurso do doente: do teste reactivo à retenção em tratamento. Entre os principais obstáculos no percurso do doente que foram identificados no decorrer do estudo conta-se a baixa literacia em saúde e falhas na informação e aconselhamento prestado sobre a importância do teste e tratamento limitam utilização do teste.

O acesso inadequado à consulta de especialidade por motivos financeiros (deslocação), tempos de espera, ausência de marcação e incapacidade de navegar no sistema de saúde limitam a referenciação, juntamente com falhas no acompanhamento e complexidade no sistema de referenciação foram outros dos obstáculos encontrados.

Em relação às barreiras no acesso à consulta de especialidade, o estudo aponta a falta de capacidade financeira, o que estará "relacionado com nível de educação, contexto social e rendimento (procura), e falta de capacidade dos serviços em termos de recursos humanos e a sua qualificação, cobertura geográfica e financeira (oferta)".

Os autores também identificaram uma "referenciação desadequada devido a factores psicossociais (receios relacionados com tratamento e estigmatização) e falhas no apoio social e familiar que poderiam permitir ultrapassar estas barreiras". "Instabilidade financeira e de vida, perturbações de saúde mental e abuso de substâncias amplificam" estas situações, segundo as conclusões do estudo.

Os autores defendem algumas intervenções, com base na literatura consultada e na audição de alguns peritos nacionais, como o "apoio económico no transporte e alimentação para pessoas em situação de insuficiência económica" e "horários alargados de consultas e farmácia hospitalar", bem como "consultas por telefone ou online".

O levantamento da terapêutica em farmácias hospitalares fora da área de residência e a prescrição para o tempo entre consultas também são medidas propostas, assim como a possibilidade de consultas de seguimento nos cuidados de saúde primários.

É igualmente proposta a nomeação de um "gestor de caso" para casos complexos sinalizados pelas equipas, o qual deve ser um enfermeiro especializado, integrado numa equipa multidisciplinar. Este gestor deverá poder realizar visitas domiciliárias e observar a toma dos medicamentos pelos doentes.

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