Morreu o ex-ministro das Finanças Miguel Beleza

Velório na Igreja do Campo Grande a partir das 18 horas de Domingo. Economista tinha 67 anos. Miguel Beleza integrou o segundo Governo de Cavaco Silva. Marcelo Rebelo de Sousa louvou a "inteligência, independência" e "dedicação ao país" e lamentou a perda do "amigo de há mais de 50 anos".

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Miguel Beleza foi economista do FMI, entre 1984 e 1987, e governador do Banco de Portugal, entre 1992 e 1994 LUSA/Tiago Petinga

O corpo do ex-ministro das Finanças Miguel Beleza, falecido na quinta-feira, vai estar em câmara ardente na igreja do Campo Grande, em Lisboa, a partir das 18:00 de domingo, informou fonte do PSD. Haverá uma missa na igreja do Campo Grande às 21:00 de domingo.

O funeral realiza-se na segunda-feira, depois de uma missa pelas 11:00, estando ainda por definir o local onde decorre a cerimónia.

O economista Miguel Beleza morreu nesta quinta-feira, aos 67 anos. Foi ministro das Finanças no segundo Governo de Aníbal Cavaco Silva, tutelando entre Janeiro de 1990 e Outubro de 1991 a pasta deixada por Miguel Cadilhe a meio do mandato. 

Nascido em Coimbra, a 28 de Abril de 1950, era irmão de Leonor Beleza, ex-ministra da Saúde e presidente da Fundação Champalimaud e da jurista Teresa Pizarro Beleza e de José Manuel Beleza. 

A notícia foi avançada primeiro pelo Correio da Manhã e pelo Expresso, e confirmada pela Lusa junto da família do economista.

Miguel Beleza foi ainda governador do Banco de Portugal, entre 1992 e 1994. Na entidade de supervisão bancária, entrou em 1979 como técnico, já na altura com o doutoramento em Economia, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) - onde foi aluno do prémio Nobel Paul Samuelson -, nos EUA, para onde tinha partido após a licenciatura concluída em 1972 no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa.  Foi economista do Fundo Montetário Internacional entre 1984-87, ocupando-se das relações de Portugal e Espanha com esta instituição. 

Como Governador do Banco de Portugal, geriu a desvalorização do escudo durante as perturbações cambiais de 1992 a 1993, causada pela agitação dos mercados financeiros, que se reflectiu no Sistema Monetário Europeu. Foi o primeiro gestor, na instituição, da permanência do escudo no Sistema Monetário Europeu. 

Em Junho de 1994 demitiu-se do cargo por conflitos com o então ministro das Finanças, Jorge Braga de Macedo, e em 2009 integrou, como membro, o Conselho Consultivo do Banco de Portugal. Em entrevista ao Jornal de Negócios, há sete anos, questionado sobre a disputa com o então titular das Finanças negou ter-se “pegado” com Braga de Macedo: “ele é que se pegou comigo”, brincou. “Não foi propriamente uma pega, foram algumas diferenças. O Jorge [Braga de Macedo] tinha umas ideias sobre taxas de juro de que não gostei, e eram questões que diziam respeito ao Banco de Portugal. Foi um fait-divers. Os objectivos fundamentais que tínhamos em relação às taxas de juro, conseguimos pô-los em prática. Não foi muito grave”, concluiu.

Enquanto esteve à frente da pasta das Finanças, Miguel Beleza impulsionou a criação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e colaborou no processo de adesão de Portugal à União Económica e Monetária. 

Ao Jornal de Negócios, em entrevista dada em 2010, quando questionado se tinha gostado de ser ministro das Finanças, respondeu que "essa parte foi a mais divertida" - "cozinhar uma espécie de programa de estabilidade e crescimento antes de qualquer outro, em 1990-91, com a ajuda de alguns colaboradores do ministério. Foi muito interessante e muito bem feito". 

Miguel Beleza envolveu-se também no processo de criação da moeda única. Recordou-o então à jornalista Anabela Mota Ribeiro. "Depois no Banco, estávamos a trabalhar na União Económica e Monetária, no nascimento do euro. Para além de assuntos domésticos, que eram mais ou menos desagradáveis. Herdei uma coisa dramática: o novo sistema retributivo da função pública, que foi uma explosão de despesa que não esperava”, lembrou. "Quando, em vez de sexagenário, for octogenário, e me perguntarem o que é que fiz pelo país, digo que dei um empurrãozinho ao euro."

No Verão de 2014, numa entrevista que deu ao jornal i, assumiu a sua surpresa, má, com Ricardo Salgado: "Pensei que ele era um banqueiro acima de qualquer suspeita e afinal fiquei desiludido, reconhecendo no BES "um dos maiores bancos portugueses".

Em Fevereiro de 2016, ao jornal Sol mostrou preocupação por, já então, algum "optimismo" macroeconómico do governo de António Costa. "Gostava de conhecer o professor [Mário] Centeno, é uma pessoa interessante, tem excelentes credenciais académicas. Poderá ter alguma verdura. É muito perigoso quando se acredita nas próprias previsões. No fundo, às vezes mais vale o instinto do que a previsão. E o meu instinto é que o cenário macroeconómico é demasiado otimista", disse. 

Sobre a evolução da carga fiscal no país, há mais de um ano, dizia: “Aqui faço a exortação do que dizia o Paul Samuelson nas aulas - ‘Vocês não façam previsões. Se não tiverem alternativa, então façam muitas, porque as pessoas têm pouca memória e por razões estatísticas têm de acertar de vez em quando’. Era absolutamente verdade”.

Marcelo Rebelo de Sousa: “Inteligência, independência, dedicação ao país”

“Dotado de uma inteligência fulgurante, Miguel Beleza cedo se destacou como um dos mais prestigiados economistas portugueses da sua geração. A essa inteligência associava um admirável espírito de independência e um profundo sentido de dedicação ao seu país”, afirmou Mercelo Rebelo de Sousa, esta noite.

Em mensagem oficial disponibilizada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa recordou o “grande amigo de há mais de 50 anos” que perdeu. “Portugal perdeu hoje uma voz livre e independente, um académico notável e uma personalidade excepcional, que em todos nós deixará uma indelével recordação”.

“No exercício dos mais altos cargos no plano internacional e nacional, designadamente como ministro das Finanças e como governador do Banco de Portugal, sempre colocou as suas qualidades intelectuais e humanas ao serviço patriótico de Portugal, sonhando com uma sociedade mais desenvolvida, mais livre e mais justa”, defendeu ainda o Presidente da República, em reacção ao falecimento de Miguel Beleza.

“A sua morte prematura deixa mágoa e tristeza nos que tiveram o privilégio de o conhecer e de com ele privar de perto, admirando a sua sagacidade, o seu sentido de humor e o seu apreço pelo convívio com os outros.” “Ao tomar conhecimento do falecimento do Professor Doutor Miguel Beleza, envio à Família enlutada as minhas mais sentidas condolências”. 

Campos e Cunha lamenta morte de "bom amigo"

O ex-ministro das Finanças Luís Campos e Cunha recordou esta quinta feira Miguel Beleza como "um bom amigo" e "uma das pessoas mais inteligentes" que conheceu, lamentando a morte do economista, esta noite, aos 67 anos.

"Miguel Beleza era um bom amigo, um pouco mais velho do que eu, era das pessoas mais inteligentes que conheci", afirmou à agência Lusa o antigo ministro das Finanças do primeiro Governo de José Sócrates.

Recordando o "sentido de humor fantástico" de Miguel Beleza, Luís Campos e Cunha disse ter sido "com imensa pena" que soube da notícia da morte do economista. "Por isso, quero apenas deixar esta homenagem a um bom amigo, um bom economista e uma das pessoas mais inteligentes que conheci", acrescentou.

Ferro Rodrigues recorda “50 anos de amizade”

Numa mensagem enviada à agência Lusa, intitulada "50 anos de amizade", o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, lamentou a morte do antigo ministro das Finanças, de quem foi colega no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) no final da década de 1960.

"Divergimos quando Miguel Beleza era Ministro das Finanças [no XI Governo Constitucional, no inicio da década de 1990] e eu porta-voz do PS para as questões económicas e financeiras, sem nunca deixarmos de ser amigos", recordou, garantindo que "nunca" irá esquecer "as palavras e atitudes que Miguel Beleza teve". "E teve-as sempre", referiu.

Eduardo Ferro Rodrigues lembra ainda que recentemente recebeu Miguel Beleza na Assembleia da República, com o "amigo comum" Manuel Sebastião [ex-presidente da Autoridade da Concorrência]. À família e amigos de Miguel Beleza, Ferro Rodrigues deixa "os mais profundos sentimentos de dor e solidariedade". 

Cavaco Silva: "Custa-me acreditar que tenha partido tão cedo"

O antigo presidente da República, em texto publicado no Observador, lamentou o falecimento daquele que foi um dos seus ministros das Finanças. “Como economista, tinha grande respeito pelo saber de Miguel Beleza. Como pessoa, tinha por ele uma sincera amizade. Custa-me acreditar que tenha partido tão cedo”, escreveu Cavaco Silva no site.

“A notícia inesperada da morte de Miguel Beleza foi um choque, um momento de profunda tristeza. Era um homem de grande inteligência e de fino humor. Um dos mais brilhantes economistas formados pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e pelo MIT em Boston. Tinha uma formação analítica superior”.        

“Em 1989, era eu primeiro-ministro, convidei-o para ministro das Finanças”, recorda Cavaco Silva. “Dirigiu com grande competência os trabalhos de preparação de Portugal para a União Económica e Monetária, os quais foram muito importantes para a definição da posição portuguesa sobre o Tratado de Maastricht. Nomeei-o mais tarde Governador do Banco de Portugal”.

“Serviu o País com grande competência, ajudando-o a vencer as crises financeiras por que Portugal passou nos anos 70 e 80 e a dar passos decisivos para que acompanhasse o aprofundamento da integração europeia”, remata. 

Silva Peneda enaltece "amigo" como um "homem inteligente"

O antigo ministro da Segurança Social Silva Peneda, em declarações á Lusa, lembrou esta quinta-feira o "amigo" Miguel Beleza, que hoje morreu, enaltecendo o "homem inteligente".

"Foi para mim uma grande surpresa a desagradável notícia da morte do amigo Miguel Beleza. Fomos colegas de Governo, presidido pelo professor Cavaco Silva. Ele foi ministro durante dois anos, ele saiu depois, eu continuei, e durante esses dois anos tivemos momentos de maior tensão e de menor tensão", afirmou.

"Ser ministro das Finanças não é fácil", como também não o é ser ministro do Trabalho e da Segurança Social, relembrou Silva Peneda. "Muitas vezes tivemos pontos de vista que não eram totalmente convergentes, mas sempre soubemos ultrapassar essas dificuldades sempre soubemos encontrar um ponto de compromisso e guardo do Doutor Miguel Beleza uma grande estima", acrescentou. 

Moreira Rato: “Um dos mais brilhantes economistas de uma geração pioneira”

Miguel Beleza integrou “uma geração de economistas portugueses particularmente brilhante, a quem devemos muito”, escreveu, também no Observador, João Moreira Rato, ex-presidente do IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública).

“Foi a primeira geração a fazer o doutoramento nos Estados Unidos”, recordou o vogal do Conselho Directivo do Fórum para a Competitividade – “dessa geração fazem parte o Diogo Lucena, o António Borges, o Jorge Braga de Macedo e o António e o Manuel Pinto Barbosa”, continuou no artigo, em reacção ao falecimento do antigo ministro das Finanças.

“Sempre me disseram que o Miguel Beleza era dos mais brilhantes dessa geração. Estava nesses anos setenta no MIT. Tinha como colegas o Paul Krugman e o Ben Bernanke, como professores o Modigliani, o Solow e o Samuelson”. “E continuei a ouvir dos seus pares: “O Miguel era uma das inteligências mais brilhantes da minha geração”.

Passos Coelho: “Raro reconhecimento internacional” 

O presidente do PSD e ex-primeiro ministro Pedro Passos Coelho, recebeu hoje com "profunda consternação" a notícia da morte de Miguel Beleza, que classificou de “figura notabilíssima, tanto na Academia, como no exercício de funções públicas", escreveu o ex-primeiro-ministro num comunicado enviado à agência Lusa, no início desta sexta-feira.

Como economista, recordou que se formou "com brilho e distinção nas escolas americanas mais ilustres e na companhia de alguns dos grandes mestres mundiais". Esse raro reconhecimento internacional pelo seu saber acompanhá-lo-ia sempre ao longo da sua vida", acrescentou.

O líder do PSD lembrou que, em Portugal, Miguel Beleza ensinou várias gerações de alunos e considerou que "a sua inteligência sobressaía com naturalidade e impressionava qualquer interlocutor".

"Serviu o país de forma exemplar, primeiro enquanto ministro das Finanças, no XI Governo Constitucional, liderado pelo então primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva; e depois como Governador do Banco de Portugal", cargos desempenhados "num período decisivo" da história democrática portuguesa, o de preparação da entrada no Sistema Monetário Europeu até à adesão e integração na União Económica e Monetária.

Passos Coelho considerou ainda que Miguel Beleza foi um "apaixonado participante no debate público com uma humildade e elevação invulgares, ensinando sem impor, escutando sem renunciar aos seus princípios".

Em seu nome e em nome do partido, Passos Coelho prestou homenagem à sua carreira académica e pública, à sua participação cívica e à sua personalidade. 

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