Novo dispositivo ajuda a superar o medo de andar de avião

O paciente coloca os óculos de realidade virtual "e entra numa realidade paralela". Dispositivo foi desenvolvido por especialistas e investigadores do i3S

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Efe Kurnaz/Unsplash

Um dispositivo médico de realidade virtual que auxilia os utilizadores a superar o medo de andar de avião está a ser desenvolvido por especialistas apoiados pelo Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S).

O dispositivo "proporciona uma experiência em que o paciente coloca os óculos e entra numa realidade paralela, na qual se vai expor à situação temida sendo, no [caso] do medo de voar de avião, uma viagem num voo comercial", disse à Lusa o psiquiatra do Hospital São João, do Porto, Filipe Freitas Pinto, um dos criadores da tecnologia.

A experiência de voo, desenvolvida com um "detalhe exaustivo", centra-se "em tudo o que a ciência já provou que pode causar medo", disponibilizando ferramentas para lidar com a ansiedade e o medo, que "acabam por ser vencidos", explicou. Esta tecnologia permite que, durante a experiência do voo, o psiquiatra ou o psicólogo consigam acompanhar vários parâmetros que ajudam a compreender a progressão do tratamento.

O dispositivo consegue identificar, em tempo real, parâmetros vitais que se relacionam com a ansiedade e, através de sinais do corpo, perceber se o indivíduo está ansioso e a reagir em função dessa situação, modificando imediatamente o ambiente em que este está imerso. "O sistema sabe o que nos causa medo e sabe como resolver isso, sem que o terapeuta ou doente tenham de lhe dar qualquer indicação específica", explicou.

A generalidade dos medos ou fobias, segundo o psiquiatra, podem ser tratadas, expondo a pessoa à situação temida até que aquelas se extingam, processo que pode ser rápido ou mais prolongado, dependendo do quadro clínico. Contudo, nem sempre é viável que o psiquiatra ou psicólogo acompanhe o paciente neste processo de exposição.

O caso do voo de avião exemplifica a "dificuldade logística" que o acompanhamento de um profissional traria ao processo de tratamento em situações deste género, algo que "é contornado pela realidade virtual", indicou.

A ideia para este projecto surgiu quando Filipe Freitas Pinto começou a procurar soluções de realidade virtual que estivessem preparadas para ser utilizadas na prática clínica e não as encontrou. "Espera-se que um dispositivo médico esteja desenvolvido à semelhança de um medicamento", contendo "uma dose, uma posologia e os efeitos expectáveis, desejáveis e indesejáveis" e "nenhum equipamento disponível" no mercado tinha sido testado para estas características, não sendo possível prever o seu impacto no quadro clínico, referiu.

Percebendo a falha no mercado, o psiquiatra levou a ideia aos colegas Tiago Craveiro, João Magalhães, Tiago Alves, e André Sousa, um engenheiro e três programadores da empresa Iterar — orientada para tecnologias de informação em saúde —, com os quais já trabalhava, tendo nascido daí o projecto. "Acima de tudo, e para além dos protocolos de tratamento, o VRCare distingue-se pelo sistema inteligente e dinâmico, que personaliza o tratamento com base na ansiedade detectada", pretendendo ser "uma ferramenta útil para melhorar a vida das pessoas", concluiu.

Esta tecnologia foi desenvolvida no âmbito do projeto VRCare, dedicado ao desenvolvimento de dispositivos médicos de realidade virtual dirigidos ao tratamento e reabilitação de doenças psiquiátricas e neurológicas. Para breve, estão programados um estudo piloto e um pivotal, com vista à entrada do dispositivo em ambiente clínico. O projecto conta com a colaboração da empresa portuguesa Voar Sem Medo e da holandesa VALK Foundation. O VRCare tem vindo a ser desenvolvido desde 2015 e, a partir de Abril deste ano, passou a integrar o RESOLVE, um programa do i3S que apoia a transferência de conhecimento científico e tecnológico de projectos inovadores e promissores, em estágio inicial.

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