Vêm aí novas regras para as consultoras que promovem esquemas de abuso fiscal

Bruxelas propõe sanções para quem não comunicar às autoridades esquemas de aconselhamento fiscal agressivo. Em Portugal já há regras semelhantes, mas pouco eficazes.

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O plano foi apresentado nesta quarta-feira em Bruxelas pelo comissário Pierre Moscovici LUSA/OLIVIER HOSLET

Imagine-se que uma consultora, uma sociedade de advogados ou um contabilista de um país da União Europeia aconselha um cliente num mecanismo de “planeamento fiscal agressivo”, envolvendo ou não sociedades sediadas num offshore, e que essa operação tem “características distintivas” que podem reduzir a factura fiscal e, por essa razão, implicar perdas para esse Estado-membro. Em Portugal, já há regras desde 2008 que forçam as consultoras e outras entidades a comunicar ao fisco este tipo de operações. E, a partir de 1 de Janeiro de 2019, isso passará a ser obrigatório em todos os países da União Europeia.

Uma proposta da Comissão Europeia, confirmada nesta quarta-feira em Bruxelas, vem tornar regra medidas que têm sido testadas ao longo dos últimos anos, nem sempre com sucesso, em países como Portugal, Irlanda, Reino Unido ou Canadá.

A ideia por detrás desta medida é que as entidades que promovem esquemas de planeamento tribuário – através de operações que procuram oferecer vantagens fiscais – comuniquem essa operação à autoridade tributária antes de ela ser posta em prática, para que as administrações tenham dados antecipadamente e possam ter mais informação para actuar sobre essas situações.

Se as consultoras e advogados não o fizerem, as autoridades aplicam sanções. O objectivo é que isto aconteça em todos os países da UE dentro de um ano e meio, passando a haver uma base de dados centralizada a nível europeu que permite aos Estados-membros trocarem automaticamente a informação que recebem das consultoras e dos bancos.

O objectivo das sanções a aplicar em cada país é, em teoria, funcionar como elemento dissuasor para as “empresas que não respeitarem as medidas de transparência”, mas nem sempre estes mecanismos têm produzido resultados a nível nacional. Em Portugal, por exemplo, há legislação em vigor sobre esta matéria há quase dez anos, mas entre 2008 e 2016 apenas foram comunicadas às Finanças 93 esquemas. Para quem não cumpre, estão previstas multas que podem atingir os 100 mil euros - mas, como o PÚBLICO já revelou no final de Abril, não havia na altura informação disponível sobre coimas que tivesse sido aplicadas. E as informações publicadas no Portal das Finanças sobre as operações de que o fisco teve conhecimento são escassas.

E de que falamos quando falamos de “planeamento fiscal agressivo”? Como a própria Comissão Europeia já o definiu no passado, esta expressão quer sintetizar mecanismos de planeamento tributário usado por empresas ou singulares com o objectivo reduzir ou mesmo anular o pagamento de impostos num determinado território, tirando partido “dos aspectos técnicos de um sistema fiscal ou das assimetrias existentes entre dois ou vários sistemas fiscais”. Pode acontecer quando uma empresa consegue deduções num país e noutro se, “por exemplo, a mesma despesa é deduzida tanto no Estado de origem como no Estado de residência” ou conseguindo não ser tributado nem num Estado nem noutro.

Para pôr em prática a medida que agora desenhou, e que ainda vai ser enviada ao Parlamento Europeu, a Comissão “identificou as características essenciais” que esse planeamento pode assumir, referindo o “recurso a perdas para diminuir responsabilidades fiscais, o recurso a regimes fiscais especialmente vantajosos ou procedimentos que envolvem países que não cumprem as normas internacionais de boa governação”.

A obrigação de comunicar ao fisco esses mecanismos, esclarece Bruxelas em comunicado, “não pressupõe, necessariamente, que este seja nocivo, apenas que deve ser escrutinado pelas autoridades fiscais”.

A Comissão Juncker definiu três enquadramentos para definir as situações em que é obrigatório comunicar essas operaçõe: esse dever existe desde logo para “o intermediário que disponibiliza o mecanismo transnacional” utilizado por uma empresa ou um contribuinte singular; já se essa consultora ou advogado estiver sediada fora da União Europeia ou estiver “vinculado por normas de sigilo ou privilégio profissional”, quem deve comunicar a operação é a empresa ou a pessoa singular que recebe esse aconselhamento fiscal; quando é a “pessoa singular ou empresa que põe em prática o mecanismo transnacional” cabe-lhe e ela comunicar ao fisco “se este tiver sido concebido por advogados ou consultores fiscais internos”.

Em defesa da proposta, Pierre Moscovici, comissário europeu com a pasta da fiscalidade, veio sublinhar que a medida “proporcionará maior segurança jurídica aos intermediários que respeitam o espírito e a letra da Lei e dificultará muito a vida aos que o não fizerem”.

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