Brian Muir, o escultor que deu um rosto ao lado negro da Força

Quer esculpir o capacete de Darth Vader? Ou o Space Jockey de Alien? O artista que criou os originais na década de 1970 explica-lhe como no FEST, em Espinho, onde virá partilhar essas e outras experiências.

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A autobiografia de Brian Muir tem o título sombrio In the Shadow of Vader; já o seu site pessoal é um orgulhoso brianmuirvadersculptor.com. O britânico de 65 anos vive uma vida profissional na sombra da sua obra mais conhecida: esculpiu o capacete que é o rosto de um dos mais famosos vilões do cinema. Mas ter moldado o ícone não o assombra. “Só pode ser visto como uma bênção. Vader abre portas”, explica por email ao PÚBLICO em vésperas de ser um dos convidados do 13.º FEST – New Directors/New Films.

O festival trá-lo esta quarta-feira a Espinho para uma masterclass marcada para as 18h. Ali irá falar da sua entrada no mundo do cinema, das suas “experiências de bastidores trabalhando em grandes produções”. E dará, como confirma numa troca de emails com o PÚBLICO antes da sua chegada a Portugal, “uma explicação detalhada das técnicas” que usou para criar o capacete negro, reluzente e inconfundível de Darth Vader, vilão Guerra das Estrelas e arquétipo do herói caído em desgraça e de parcas competências parentais. Só detalha isto: “O meu briefing principal era que Vader tinha de ser ameaçador."

É claro que a história é bem mais longa, embora o detalhe já escape pelos 40 anos passados e pelo facto de, na altura, Muir não adivinhar que estava a trabalhar num filme charneira da cultura popular. Nem que estava a inserir uma linha no seu currículo que haveria de dizer qualquer coisa como “criou um ícone”. “Fui contactado no início de Janeiro de 1976 para começar a trabalhar em Guerra das Estrelas. Na altura, o capacete e a armadura de Vader eram só mais um trabalho. Mas claramente revelaram-se algo mais do que isso nos últimos 40 anos.”

Trabalhou com base nos históricos desenhos do concept artist Ralph McQuarrie, por seu turno inspirado pelas ideias do realizador George Lucas, do director de arte John Barry e do figurinista John Mollo sobre os soldados da Primeira Guerra Mundial e os capacetes dos nazis, criando uma figura desumanizada e poderosa. Pouco tempo depois, o jovem que começou como aprendiz nos estúdios de Elstree, onde seriam filmados os filmes da saga Star Wars mas também Indiana Jones, trabalharia também com H.R. Giger, desta feita para Alien, de Ridley Scott. “Os fãs querem sempre saber como ele era, porque ele era uma personagem”, admite. “Tenho belas recordações de trabalhar com Giger” – recordações a partilhar com o público do FEST, juntamente com “a criação do Space Jockey a partir do incrível trabalho dele”.

A carreira de Muir, um dos mais conhecidos escultores a trabalhar na produção e nos efeitos visuais desde o final da década de 1970 até hoje, tocou então as maiores sagas cinematográficas de fantasia e aventura das últimas décadas. Para Alien, esculpiu O Piloto, ou o Space Jockey, uma misteriosa vitima fossilizada dos xenomorfos de Ridley Scott. Para Indiana Jones, foi o autor da Arca da Aliança e da cobra que aterroriza Harrison Ford numa escavação e também do coração pulsante de Templo Perdido. Está na ficha técnica de 007 (Skyfall), de A Noiva Cadáver de Tim Burton ou em projectos Marvel como Thor 2 ou Guardiões da Galáxia. Mas nada atingiu o nível iconográfico da cabeça de Vader – uma serpente ou uma árvore de Natal nos filmes Harry Potter não têm a mesma centralidade, quer nas respectivas histórias quer na história do cinema, da personificação do lado negro da Força.

Mas só há pouco tempo é que Muir percebeu mesmo o alcance do seu trabalho. “Só quando fui contactado por um fã acérrimo de Star Wars em 2006 é que tomei conhecimento da base de fãs” da saga criada por George Lucas. “Agora, viajei pelo mundo e conheci tantos fãs que me dizem quanto ela afectou a vida deles”, diz, grato. “Em troca, mudou a minha vida – felizmente para melhor.”

Completar o círculo

Encontrar-se com fãs de Star Wars, que valorizam não só as estrelas como Harrison Ford ou Carrie Fisher mas também os artesãos que ajudaram a contar a sua história, não é a mesma coisa que encontrar-se com cinéfilos e profissionais do meio, como acontecerá no FEST. “A minha primeira convenção [de fãs] foi uma experiência estranha." Aos olhos do público do FEST, é um profissional completo, daqueles que poucos valorizam fora da sua especialidade e que pode falar sobre como este mundo, agora digital, trata os analógicos homens e mulheres do escopro e das mãos na massa. A sua masterclass é sobre os desafios do passado e os desafios do futuro na sua actividade: esculpir para filmes. O digital mudou o meio dos efeitos visuais para sempre, mas “os bons e velhos métodos de produção de escultura e adereços para filmagens ainda são usados hoje". "A nova tecnologia”, considera, “enriquece o aspecto de um filme quando usada com moderação e consideração": "Os cineastas gostam de experimentar novos desenvolvimentos, mas às vezes fazem-no às suas próprias custas."

Tal como o cinema, o capacete de Vader, uma silhueta emblemática com grande detalhe na zona do rosto, foi sofrendo alterações ao longo dos anos. Algumas, mais visíveis, coincidem com a fase mal-amada da série de filmes, a trilogia de prequelas lançada entre 1999 e 2005. A máscara que esculpiu, diz, “foi usada nos primeiros três filmes – a trilogia original – com alterações mínimas”. Mas depois, e talvez reflectindo as mudanças na cultura visual do mundo que o receberia nos ecrãs e nos produtos de merchandising, foi mudando.

Brian Muir denota alguma amargura quando fala desse processo, especialmente chegado a 2005, ou ao filme final da trilogia prequela. “Decidiram voltar a esculpir completamente a máscara de Vader e torná-la simétrica para A Vingança dos Sith. Na minha opinião, tirou carácter a Vader, tornou-o mais robótico. Acho que é a opinião da maior parte dos fãs. Acho que as mudanças foram simplesmente feitas pelos designers de produção de cada filme, que gostam de deixar a sua marca, com a orientação de George Lucas.”

O segundo tomo da autobiografia de Muir é Beyond the Shadow, e acompanha a progressão de uma carreira na qual, diz, é impossível escolher uma peça favorita – “Vader permitiu-me revelar-me, e ao meu trabalho, ao público, por isso terei sempre orgulho em ter sido parte da sua criação. Mas gostei particularmente de trabalhar com estilos de arquitectura antiga como o egípcio ou fenício”, reflecte. Também é impossível, nessa carreira, fugir a Darth Vader. Não só porque Muir não parece desejá-lo, mas também porque a máquina Star Wars não pára. O mais recente filme, Rogue One, chamou-o de volta às oficinas. “Fiquei contente por completar o círculo”, diz, sem poder dizer o que lá fez. “Terminei a minha carreira de 48 anos em Rogue One.” 

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