O Reino Unido não pode ser humilhado

A União precisa de conter um certo instinto arrogante e punitivo nas negociações para o Brexit

O Reino Unido e a União Europeia começam esta semana as negociações para o "Brexit" num contexto de clara desproporção de forças. De um lado, a União que, após as feridas da crise do euro, o auge do drama dos refugiados e do regresso ao optimismo moderado do crescimento económico, parece unida e confiante; do outro, um país desorientado, descrente, que “parece ridículo” aos olhos dos seus cidadãos e dos cidadãos do mundo (na opinião do influente colunista do Financial Times, Martin Wolf), que dá conta de ter cometido uma série consecutiva de erros e sabe que pouco mais lhe resta a não ser o mal menor. O processo negocial será longo (acabará em Março de 2019), mas o seu resultado determinará muito do que vai ser o continente no futuro. Mesmo fora da União, o Reino Unido não deixará de ser uma potência histórica na Europa.  

É por isso que a Europa deve recusar um certo discurso triunfal e uma certa pose arrogante que se vislumbram nos prelúdios do processo negocial. Uma pose que encurrala o Reino Unido na fórmula do “pegar ou largar” não interessa à Europa. Se a União não pode nem deve ceder no princípio da livre circulação de pessoas para aceitar a extensão do mercado comum às ilhas britânicas, deve ser tolerante com as reparações financeiras, com a difícil solução para a fronteira irlandesa e deve deixar de exigir que os seus cidadãos residentes no Reino Unido sejam protegidos pelo Tribunal de Justiça Europeu – uma exigência que viola claramente a soberania britânica.

Uma Europa coesa e determinada não pode fazer do "Brexit" uma humilhação para memória futura. Remeter o Reino Unido à condição de pária seria não só um apagão da História mas um atentado ao futuro. Conter o mal dissimulado instinto vingativo de tantos eurocratas é um dever dos verdadeiros europeístas. E uma obrigação da diplomacia portuguesa, seja sob a forma de tributo à memória, seja pela necessidade de manter uma feição atlântica na nossa política externa. O ressentimento é um vírus que corrói a relação entre os povos. Uma negociação justa, não imposta pela lei do mais forte, é condição essencial para que o Canal da Mancha continue a ser um espaço de união. O reino que saiu deve ter as portas abertas para um dia poder voltar.

 

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